terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Ensina-me

Ensina-me a dançar. A tua voz será a minha musica, o teu corpo o meu. Ensina-me as palavras, as palavras que sentes, as palavras com que nos acaricias as palavras que te saltam da alma... as mesmas com que me despenteias. O silêncio! Ensina-me também o teu silêncio. O silêncio do teu prazer, o silêncio com que me abraças. Ensina-me o amor e a liberdade, guardando na nossa história o sabor e o cheiro deste amor.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Há dias assim

A lâmina beija o branco da pele, tornando-a vermelha. O rio desenhado pelo vermelho do sangue desagua-me na alma. A dor fina e ardente penetra a carne e invade-me os sentidos. Acalma aquela dor que me mora na alma sem tempo. A realidade torna-se turva, as linhas dançam à minha frente e as cores perdem-se. Vai-se o tino e o sopro de vida torna-se débil. A dor torna-se maior que o golpe, a dor torna-se maior que a alma.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Bom dia!

Esta cidade às vezes fica inundada de um cheiro a couves podres. Para isso acontecer, teve que chover durante vários dias, o lixo do natal abandonado nas ruas, como deve ser para cumprir a tradição. Saio à rua pela manhã e a primeira lufada de ar tem esse cheiro fétido, a couves com quinze dias de estufa. Contorno os ecopontos e tropeço nas caixas de aspiradores misturadas com restos de perú já com larvas. Entro no café para o café "curto" a que não gosto de chamar "italiana" por me tirar do sério e metem-me à frente uma banheira cheia até acima com água de lavar chávenas. O empregado sorri mostrando as migalhas do pastel de nata que surripiou na copa. - Pois é... o Natal já passou...um novo ano... - e faz estalinhos com a lingua. Corro dali para fora, atravesso no verde ignorado por uma carrinha, tento desviar-me da carrinha, mas do outro lado já está quase em cima de mim um aprendiz de macho latino (certamente miope) balbuciando - ah boa, sexy.... - quase no meu ouvido, deixando cheirar o seu hálito a alho... desvio -me dele, prefiro a carrinha que sempre deve ter seguro de acidentes. Por fim chego ao trabalho, pensativa... devia tomar mais um banho.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Lume de chão Lembro o desejo de uma fogueira, a luz de brasas que desfazia brincando, o cheiro a petróleo nos candeeiros, a cafeteira de ferro sobre o tripé. Livros, livros de histórias, a história do vento. O vento em forma de assobio, levando consigo as sementes lançadas à terra, as roupas estendidas. Lembro o calor do lume, as vozes murmurando contos de bruxas e encantos, o cheiro do leite acabado de ferver, a hora de dormir. Os lençóis de linho com cheiro de sabão e os medos... homens do saco e bichos papões. Lembro o acordar com o frio no rosto, o cheiro do chocolate que o pai de madrugada pousou sobre a almofada. E depois... a luz, os risos, as manhãs lavadas e serenas num alentejo perdido.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Acordei de celofane. Fina, transparente, quase invisivel. Pronta a ser amachucada e atirada para o chão. Quem olhasse ainda via as manchas de melaço em mim, do rebuçado arrancado à pressa e com gosto. Assim de celofane amachucado rebolei pelas tábuas inseguras do cais, empurrada pelo vento da manhã. Crianças passaram por mim, jogaram e fintaram para esquecer correndo depois em direcção à gaivota que os observava antes de voar para longe. Foi de celofane que deixei o vento levar-me para longe, planando sobre o rio... sem medo da queda.