sábado, 28 de agosto de 2010

Ab sinto absurdo

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Não existo. Decidi que não existo, isso deve bastar para deixar de existir. Deixei de me reconhecer na imagem reflectida no vidro da janela do comboio que me levou para o exilio. Começo a sentir os efeitos de não existir: pois se não oiço, pois se não sou ouvida. Respiro o silêncio e fere-me o peito como lâminas. Aqui, no exilio, não há mais som nem silêncio, não há. É tudo! Enrolam-me as ondas negras de morte e levam-me, num comboio fantasma, povoado de fantasmas e... sombras. Na carruagem da frente vai o meu passado. Na carruagem de trás, como mercadoria de segunda, vai o meu futuro. Será deitado fora na próxima paragem. Eu... simplesmente porque já não existo, vou na carruagem do meio. Bastou-me decidir que não existo: pois se não vejo, pois se não sou vista.
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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

... ... Esta noite ninguém está a salvo. Revelam-se os solitários, donos desta cidade de cartão. As ruas cheiram a urina, a vinho e vómito. Tropeças em lixo remexido e esquecido. Vem a água que tudo limpa, varre o cheiro, desfaz as camas nos recantos dos ministérios. Do cartão com que se faz esta cidade, ficam as gentes ... vestidas de trapos, ...sombras do tempo Apressa o passo, liberta - te! Manda-me calar! Não pares de correr! Não se sabe a intenção das sombras que te lambem o rosto. Libertaram-se os teus piores fantasmas, só para te verem tremer e gemer e correr como louca pela calçada. Não olhes para trás, não verás mais que o teu próprio rosto: assustado. Isso que te sai pela garganta... é um grito? ... a própria alma? ... um fado? ... uma desgarrada? É Lisboa, parida numa noite de lua cheia. ... ...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

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Last night I was dreaming that I was dreaming of you Esta noite cheira-me a sonho, sabe-me a fruta, travo de canela como se em Agosto fosse Natal Não me deixam dormir as vozes e o risos, os talheres a brilhar, fantasmas que teimam em voltar... Que parva que sou, se hoje não é Dezembro e não é lume o que estou a atear...
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sábado, 21 de agosto de 2010

não há cá eco

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Hoje não amanhece nunca mais. Não me larga o amargo da noite... sem lua, sem estrelas. Todos partiram, para trás fico eu, olhando para nada, vazia até me perder de mim. Grito até não poder mais, não existe eco nesta cidade, perde-se o grito no vazio. Não amanso a vontade de gritar: Sempre! Nunca mais! Fazem ricochete em mim as palavras, já não as suporto mais! Nem ao silêncio... Alguém que me desenhe um final para este dia, rápido!
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Cinzas

... _ _ _ ... ... ... Já não sonho. Sonho que sonho... e não durmo. Apagaram-se as luzes, só a solidão e eu, no escuro. Não sei se arranque este punhal que me atravessa o corpo, se me deixe assim... esperando o derradeiro sopro. Já não sonho. Sonho que sonho... e não durmo. Abandonaram-me as forças, o sangue e a vida. Deixo-me arrastar pelas ondas na força da maré... vazia Vazia a maré e o corpo levado para o fim do mundo Já não sonho nem sonho que sonho, apenas durmo. Passa a vida por mim, cavalos marinhos e algas coloridas Nem oiço ao longe as vozes na praia, os risos dos vivos . Apenas eu e o mar, apenas eu e a maré, apenas eu... sem vida...
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Elogio da Preguiça

... ... Assisto à minha própria decomposição, passiva, esperando que ninguém note. Já se partiu o espelho que partilhava comigo este triste espectáculo mudo. Não fui eu quem o partiu... apenas se tornou frágil ao ser lançado pelo ar, aterrando no passeio da minha rua. Passaram dias e noites e não saí do meu lugar, sei que o sofá ganhou vida e espera fingindo-se morto por um movimento meu para me abocanhar e depois cuspir as roupas. Tudo acontece à minha volta sem a minha intervenção...o gato adormece em cima da televisão, deixando descair uma pata... depois a outra... para evitar a queda dá um pulo deitando ao chão com enorme estardalhaço dvd's e cd's. Ainda bem, foi a única forma de me acordar deste sonho estúpido ( e visionário?)... ... ...

domingo, 15 de agosto de 2010

Entre o preto e o branco

Há dias em que se vive a vida em escala cinza. Repousa - se assim o lado cognitivo do cérebro que distingue, rotula e cataloga a diversidade de cores que nos rodeiam. Não se perde nada, pelo contrário, pensamos e sentimos a vida com mais intensidade, não nos distraem as cores, não nos enganam. São esses os dias em que o ar que respiramos nos sabe melhor, a música que ouvimos nos encanta e transporta para outro lado de nós mesmos. Tudo o que faz parte da nossa vida continua lá, em escala cinza, e aceitamos, naquela paz doce de saber que a cor existe, apenas hoje o Sol não estava para aí virado.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Dança de roda

... ... ... Inventemos uma história, um conto de fadas, um romance, tanto faz Que não lhe faltem as princesas, os sapos e as bruxas malvadas Inventemos palavras para a contar, ouvintes para a escutar Que não lhe faltem em off os aplausos e as gargalhadas e música, aquela que só nós sabemos dançar! ... ... ...

sábado, 7 de agosto de 2010

... Porque se põe tão depressa o Sol? ...leva-me a luz traz-me a tristeza Lembra a embriaguês o amor feito nestes lençóis Tormento vazio de nós Sou quarto minguante numa Lua que me recebe quase Nova Balanço fragil em que agarro Breve extinguir-se-á o abrigo Incendiando as palavras vazias de meu viver Chama insignificante no mundo Cessará o fogo que me faz arder Para sempre... ...