terça-feira, 30 de novembro de 2010

Para comer com pão

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Era uma vez um moural de gado -  e eu ria, aconchegava-me nos lençóis de linho e no cheiro a lavado. 
Era um mocinho muito pequenino ainda, mas já era moural de gado. Guardava para mais de cem ovelhas! Numa tarde de sol, depois do almoço, deitou-se debaixo de um chaparro e deixou-se dormir. Aquilo é que era dormir! Já se punha o Sol atrás dos montes, quando acordou assustado, desatou a contar as ovelhas e... e não é que faltava uma! A chorar, voltou para o monte, a guardar as ovelhas. O patrão estava lá e deu pela falta de uma ovelha. Entre lágrimas e soluços contou: Ai... não me diga nada! Apareceu uma zorra, com os olhos a brilhar e os dentes aguçados, lutei contra ela, dei-lhe um tareão, mas mesmo assim... ainda levou uma ovelha - não me lembro do fim, esta devia ser a parte em que o sono me vencia.
Sonhava com montes verdejantes, com ovelhas a pastar e... antes que sonhasse com a zorra, já estava o sol a acordar-me, a frescura da tablete de chocolate colocada na minha almofada durante a noite... uma "comacompão", dizia o meu pai: se é para comer com pão faz bem!

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sábado, 27 de novembro de 2010

Esquecimento

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Perdi-me na manhã de nevoeiro. Não andei porque me esqueceu o andar. Nada vi por me terem esquecido as cores. Apenas voei, num voo solitário sobre a cidade. Senti gente e o calor dos lares. Apeteceu-me escrever sobre isso, mas como se me esqueceu o escrever?


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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mar desfeito

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Em cada onda que se desfaz, fica vida no areal: pequenas algas, conchas e cavalos marinhos. Estrelas do mar, caranguejos e pulgas do mar. Esperam nova maré que as leve, ou a mão de uma criança que as reinvente numa tarde quente.
Em cada onda que se desfaz ficam as memórias, o sal de todas as  lágrimas, o sabor dos amores sonhados. O abraço de um amante desfeito, a busca de novo  abrigo cantado em forma de Fado, nova onda que o leve de volta ao leito.
Em cada onda que se desfaz, ficam os medos e os adamastores. Ninfas que inspiram poetas, vivas em odes e sonetos, fazendo sangrar os seus amores. Palavras que esperam nova onda que as leve ao silêncio colorido dos corais.
E voltar nunca mais.

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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Feita Borboleta

Se eu fosse borboleta, na minha curta vida, cruzava oceanos, contornava montanhas,
atravessava selvas e fintava a mais perigosa fera...
Só para, no fim, pousar nas mãos de um poeta...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

sonho ruim

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esta noite sonhei o fim do mundo

acordei a memória do cheiro de

flores e o som da chuva

com que se lavam as ruas da cidade

deserta de risos
e de festa

lembrada que foi a fúria dos corpos

gritada a dor do sexo roubado
e escondido
esta noite o sangue

foi de lágrimas
e as lágrimas

gritos de dor

Sonhei que me levava o vento

e largava esmagada sobre os rochedos

esta noite lutei com moinhos em fúria

monstros da minha infância
e Medos

levaram - me nas ondas de um sonho
de nunca mais voltar
e morrer

não chegou a brilhar
o Sol desta madrugada

nunca mais se abriram os olhos

por se ter perdido a razão
de o ver

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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sud Express

... ... Efémero este corpo roubado mensageiro violentado de dor perpétua perdido na morna caricia das tua mãos no despido prazer de me sentir tua na fúria do desejo no segredo de um gemido ... será a despedida amarga de uma vida breve acabada neste corpo trucidado ... ...