segunda-feira, 28 de março de 2011

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pudesse eu afogar-me em ti e seria de água
e de orvalho na madrugada,
com que se lavam os corpos dos amantes

pudesse o tempo parar e fazer-se de futuro
e de letras desenhadas num muro,
onde que se conta o história de um poeta

pudesse a viagem nunca acabar e fazer-se a dois
morar num planeta com dois sóis
descansar nos teus braços numa noite clara


e inteira
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domingo, 27 de março de 2011

chorinho de uma nota Só

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choro
choro com gosto e porque gosto
choro porque foi o choro que me deu vida
choro porque sim
choro de fome, de sede, de frio
choro de calor, de sono, de falta de colo,
choro de medo de ir para a escola, de medo que o céu caia,
de medo da trovoada, da chuva e do barranco que tudo leva,
choro de tristeza, de saudade, de vazio,
choro de raiva, de desgosto, de frustração,
choro de amor, de emoção, de alegria,
de prazer e de dor,
choro por no choro achar conforto,
por no choro inventar os braços que me amparam
e me aquecem
choro por no choro ouvir,
o embalo doce e baixinho em voz de carinho
de uma viola esquecida e quebrada
o choro que me lembra que um dia fui amada

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quinta-feira, 24 de março de 2011

lamento de um poeta triste

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nas mãos de um poeta triste
guarda-se a história e os segredos, fazem-se silêncios
respira-se o passado que não se fez e o futuro
que não sabemos se acontece
nas mãos de um poeta triste
esconde-se a ave escorraçada do ninho, foge-se do tempo
da amargura do espaço,  dá-se o que nunca se deu, secam-se
as lágrimas antes de serem choradas
nas mãos de um poeta triste
amordaça-se a dor, solta-se o desejo de mais calor,
libertam-se os laços que se fizeram amarras,
e são quatro mãos em silêncio que se esmagam
e são quatro lábios que se mordem
celebrando o seu sabor
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domingo, 20 de março de 2011

to be continued

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A mulher caminha no passeio, vai pelo lado do Sol. Vai em passo
de corrida, como se fugisse do passado e pela frente só
o presente.
Bata velha, feia, cheia de nódoas, entra no bar.
De pé, ao balcão, pede uma cerveja. Loura, a cerveja e o seu cabelo tingido
de pinceladas. Foge do homem que deixou na cama. Foge do homem com quem casou.
Nesse tempo era loura, como o corpo da cerveja. O homem agora apodrece em vida, de doença e álcool. - Mulher, anda cá que eu quero fazer a minha vida! - Ela ia, ele fazia a sua vida, de urina, de fezes, de ejaculações desastradas. Fez-lhe filhos.
A espuma da cerveja, branca, as raízes dos seus cabelos, brancos e castanhos.
Atraídos pelo nectar, os mosquitos rondam o copo gelado e brilhante. Tira um lenço de pano, branco e sujo. Limpa as lágrimas, bebe mais um gole. Tremem o lábios.
As mãos gretadas, impregnadas da lixivia usada na limpeza das casas dos outros.
- Casei por amor. Tanto que me avisaram para não casar com ele! E eu até era bonita...
Do fundo da rua ouve-se o grito do homem: - Mulher, anda cá que quero fazer a minha vida!
Ela foi, correndo. O copo da cerveja ficou, vazio, sobre o balcão peganhento. A espuma da cerveja morta, rastos brancos no copo sujo.
Os mosquitos acabaram a festa.
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sexta-feira, 18 de março de 2011

Engano

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Olho uma vez mais as palavras e sinto que as roubo: não são para mim essas palavras. Eu não devia lê-las, muito menos escutá-las. Mas estão lá, para quem as quiser ler, para quem a quiser tomar a si. O seu brilho fere-me a vista, obrigando-me a desviar o olhar. Se as palavras não são de ninguém, para quem serão? Não há donos para as palavras, não há destino para as palavras: são ditas e mais nada. E o amor? 
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terça-feira, 15 de março de 2011

Desassossegar

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Basta um brilho, um olhar, um segredo inconfessável. Basta a pele no seu cantar e o eterno sabor do mel. Rompem – se as melodias, rasgam – se os panos. Atiça-se a fogueira, desalinham-se corpos e cabelos e
Enlaçam-se os dedos, na fúria de gritar!
E não passa o desassossegar e
não passa a tremura de te amar...

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segunda-feira, 14 de março de 2011

santuário

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onde me escondo,
se de só transbordo?
onde me acabo,
se comecei sem começo?

qualquer cais me serve
quando a viagem é sem destino
qualquer corpo me cabe
na tremura da alma em desatino
não tenho bilhete
sou incógnita, clandestina,ilegal
invisivel
viajo no vento e nas marés
(trago areia colada aos pés)
sou do tempo que gastei
das noites que não dormi
dos amantes que não amei
antes que percebas que me escondi

parti


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quinta-feira, 10 de março de 2011

não quero estar aqui

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sonho ruim
dias e noites sem fim
de que vale a vida se não sonhar
de que me servem as asas se não voar

noite escura
onde a dor perdura
de que vale o caminho se não correr
de que serve fugir se não para me perder

e viver sem viver

morrendo sem querer

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sábado, 5 de março de 2011

vazio

tempo vazio
entre a dor e o silêncio
entre a cegueira e a mudez
onde me dispo

gasta-se o futuro
perdem-se as palavras e os sonhos
da memória faz-se um muro

tempo vazio
entre viver e fingir-se de vivo
entre os bastidores e o palco
onde me perco

rasga-se a carne
entre mortos e vivos fica o pó
levo o caminho sem regresso
onde fico

e já não sei se quero voltar

terça-feira, 1 de março de 2011

Soa

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Soa a sitara e violino Soa a brincar e namorar Esse riso de menino Em boca de beijar

Soa a búzio vazio Soa a saudades de mar Esse olhar perdido Em canção de embalar

Soa a sitara e violino Soa a amor pintado de dançar  Murmúrio despido de gritar

... 

Soa no peito o grito de Acordar

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