sábado, 29 de dezembro de 2012

e eu não sei

...

deram-me o ar,
um único sopro varreu-me o corpo

sacudi as luzes, misturei cores
desenhei-me limites e fronteiras

vi a vida à minha frente e fechei-lhe os olhos

não, não é a vida que eu quero
não são os beijos como bofetadas

não são os limites nem as fronteiras

eu quero é voar
pois se para isso recuso respirar

...


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Claire de Lune


...


esta Lua é Cheia
prenhe de astros e constelações
transborda de Luz, rasga-se no próprio parto
navega sem saber se o que pisa é mar, rio ou chão
sabe qual é o seu destino
falta-lhe o caminho

...

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

balanço

...

Faço a minha vida num corredor de portas entreabertas, de espelhos ausentes de imagens que se projectam a si mesmos, vazios. 

O som dos meus passos ecoa pelo corredor, em direcção ao sitio onde pairam todos os sons não alcançados pelo ouvido humano.

Estarei a meio do caminho? Nunca o saberei. Chegou a hora de fechar as portas que deixei para trás, entreabertas. Não abrem, não fecham, delas nunca nada saiu nem nunca nada entrou. Apenas estão entreabertas porque são portas, foram criadas para isso, não para que eu as transpusesse. 

Não, aquelas portas não são para mim. Foram apenas um vislumbro do mundo a que eu gostaria de ter pertencido. Delas saem vozes, luzes, gargalhadas, música e aplausos. 

Algumas quase transpus, ilusão de óptica num corredor de vida monótono e repetitivo. 

Outras desejei tanto transpor que me tornei ridícula.

Baixo o olhar e fecho-as, sei que não voltarão a entreabrir-se. O corredor que me resta é feito de portas fechadas. 

...

domingo, 23 de dezembro de 2012

tempestade em terra

 ...

esta é a cidade que me engole
e escorraça
em dias de chuva e vento
este é o rio que me abraça
nas noites vazias

é daqui que fujo e nem me despeço

fujo de mim
da corrida dos outros
dos corpos moribundos em que tropeço

onde me poderei esconder, se já não sou eu, Lisboa?

onde me leva a fuga, se já partiu o abrigo?

vou
sempre vou
sem saber se regresso...

...

domingo, 16 de dezembro de 2012

epílogo

...


Desvanecem-se as linhas com que te escrevi
apaga-se a memória
revivo os beijos que me faltaram e os abraços fingidos
oiço as palavras que nunca disseste, ecoam por mim
fogem-me os sons, esbatem-se as cores
visto-me de nevoeiro
idiota eu que te inventei
idiota que acreditei na minha própria história
e num fogo factuo de ti
o tempo cumpre-se sem se renovar
sem amanhã
é esta a memória que resta
o silêncio, a ausência de um sorriso
... a ausência...






... todas as histórias inventadas começam por "Era uma vez?"
- Não, muitas  começam por: " ...que as estrelas brilhem sempre em nós!"


...

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

minguante

...

Desço a Rua Garrett. As luzes de Natal enfeitam o meu anoitecer. Este ano visto-me de penumbra. Passeio numa cidade onde não me aconchego, não me encaixo neste falso brilhar. A minha imagem não é reflectida nas montras enfeitadas de coisas inúteis e caras. Não distingo o idioma dos turistas que me atravessam. Já não faço parte deste lugar. Vivo de favor, emprestada, nesta cidade que já senti a minha casa.



...

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

heróis

...


O menino tem brilho no olhar, o tal brilho emprestado pelas lágrimas que o tempo fez cristalizar. Na seda da sua pele moram vincos gravados na crueldade de rasgar. Cresceu, o menino. Fez-se homem, daqueles com o tal brilho no olhar. Daqueles que são homens para além da pele, para além da carne. Fez-se homem com menino no olhar.



...

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

sorriso perpétuo

...

Depois de muitos anos em fuga, soube que a hora tinha chegado. Sentou-se sobre a cama, descalçou os sapatos rotos e cansados. Fechou os olhos, respirou fundo. O ar cortou-lhe os pulmões. Quis deitá-lo fora, como um veneno de sabor amargo. Não conseguiu. Quis abrir os olhos, como se daí viesse luz. Não se abriram. Os braços, as mãos, os dedos, não lhe pertenciam. Deixou-se cair, de costas sobre a cama, como um peso morto. Isso ainda conseguiu fazer... ou apenas aconteceu porque assim ditava a lei da gravidade. Tentou gritar por socorro. Não localizou o próprio rosto. Lembrou-se de todos os lábios que beijou na sua longa vida. Lábios ávidos e sedentos, lábios húmidos e entreabertos, lábios secos e sem expressão, lábios com pressa de chegar a outro lado, lábios sem vontade de chegar a lado nenhum, lábios pagos para beijar, lábios...
Todos estavam de acordo e balbuciavam com o respeito absurdo conquistado pelos mortos: - Parece até sorrir!

...

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

os palhaços

...

traço a baton vermelho o sorriso que me foi roubado
o espelho... o velho espelho parece desbotado
no rosto ausente adivinho um olhar desprovido de mim
já não estou no meu quarto, já não estou nesta terra
só os meus braços cansados continuam na luta
nesta pátria que já não é mãe, apenas puta
...

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

o passeio da sombra

...

As suas pernas gigantes cortavam as ruas da cidade. Lábios cerrados como punhos, proibindo-se a si mesmo um sorriso. Atravessou estradas, avenidas, jardins. Nunca se cansava, nunca parava para ver a vida à sua volta. Continuava o caminho, por sua conta, batendo às portas, procurando um espaço por onde pudesse entrar. Um lugar existiria onde coubesse o seu ego. Uma porta aberta, uma frincha de janela ou os braços de uma mulher. Algo se abriria à sua frente. Na avidez da busca afastava tudo o que impedisse o caminho, calcava relva fresca, pisava flores. Só o vento se abria a si. Só o vento. Tonto e ofegante percebeu que uma ave estava caída no chão. Um pequeno pássaro, talvez um pardal comum. Se não parasse, se não se desviasse do seu caminho obsessivo em direcção a nada, esmagá-lo-ia. Parou. Olhou a pequena ave por momentos, semi-cerrando os olhos. Podia ter-se curvado, tomado o pequeno e indefeso ser nas suas mãos, tê-lo beijado e lançado ao vento. Ao mesmo vento que se abria no seu caminho. Deu-lhe um pontapé, desviando o olhar. Esperou para ouvir os aplausos da claque. Agradecendo, continuou o caminho, de mãos nos bolsos, na direcção de lado nenhum, na busca de ninguém, sem nunca abrir os lábios.

...

sábado, 17 de novembro de 2012

desencarne

...

quero morrer num sábado, em pijama, robe e pantufas, sem tirar do rosto a pintura que sobrou da noite, ainda cheirando a fumo, a calor e a suores.
quero morrer assim, num bocejar, sorrindo, deixando por beber o copo de água e por lavar do corpo os traços com que me pintaste.

...

domingo, 11 de novembro de 2012

cruzar os braços

...

Vestiu-se sem cor. Lá fora, o dia não amanheceu, tudo estava como na noite anterior. Afinal, tanto barulho, tanto vento e tanta chuva que caiu sobre a cidade... tantos panos negros cobriram os edifícios e as pessoas... e todos estavam nos mesmos lugares, apenas rasgados.
Rasgou-os a fúria do vento, a inevitabilidade da chuva e as lágrimas de angústia por entre gritos de revolta... palavras de ordem desprovidas de esperança.
Agora, a cidade amanhecia lenta e muda. A falta de pão era a mesma do dia anterior, a falta de liberdade dissimulada da mesma maneira.
Nos rostos estava desenhada a traços de bofetadas, a humilhação de não ter pão, a culpa que uns esculpiram nas almas de tantos.
A cidade era habitada por um povo agrilhoado em si.

...


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

a cor de tudo

...

... acordou despida. A tristeza que vestia desde o fim do Verão fora finalmente para lavar. Não vestia nada,   sem frio viu-se nua, desenhou um pequeno sorriso, sem esforço, natural... e surgiu assim uma vontade de pintar o mundo à sua vontade!


...

terça-feira, 6 de novembro de 2012

a última fonte



...

Ainda de toalha nas mãos observa o rosto, observa os rios traçados pelas lágrimas. Baixa a cabeça, a fim de se certificar que o resto do corpo ainda existe. Repara no peito: aberto, em ferida. Entre o músculo pulsando débil e o próprio sangue à procura do caminho, reparou no coração. Sozinho,  isolado de todo o caos que o rodeava, batia... os rios traçados pelas lágrimas no rosto, convergiam para ele, lavrando caminhos, abrindo sulcos onde nunca viriam a ser lançadas sementes, por já não serem terreno fértil. A fonte secara.

...

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

a fonte

...

Usou as lágrimas, foi com elas que se lavou. Cobriu o rosto com uma toalha macia e esperou. Esperou que tudo secasse. Sentiu secar-se o corpo, sentiu secar-se a face. Arriscou levantar uma ponta da toalha: as lágrimas continuavam a brotar e o rosto continuava por lavar. Os seus olhos eram "A Fonte". A mesma fonte que era parte das suas histórias de infância, daquelas histórias guardadas nos cantos mais longínquos da memória... a fonte coberta de musgo, de onde sempre brotava água fresca. O secar da fonte era ter a morte por certa. 
...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

muito perto

...

Percorreu todo o cais, perto do rio, sorrindo, ajoelhou. Chegou tão perto do fim do cais quanto lhe foi possível. Esticou-se até tocar com a palma da mão nas águas em movimento. Ficou nessa posição, incomoda, de servidão. As águas iam e vinham. Umas vezes nem lhe tocavam a mão, outras envolviam-na e acariciavam-na, lânguidas e mornas. Manteve a mão firme, na distância que lhe foi humanamente possível manter. Até se sentir cansada. Até se sentir ridícula naquela posição. Humilhada pela indiferença das águas, pelo seu vai-vem constante e indiferente. Sem deixar de sorrir, deixou-se afundar lentamente. Não foram as águas que a levaram.

- E se eu for ao fundo?
- Ninguém te irá buscar!

...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

paz

...

banhar-me no esquecimento
enrolar-me
na Paz  acomodada dos meus lençóis


embriagar-me de silêncio
coro de ausência a uma só voz

anestesiar-me de ópio
lavando os pedaços de memória cravados na carne

e deixar-me levar na força das ondas

não há sempre
não há voltar

...





terça-feira, 23 de outubro de 2012

serial lover


Viciou-se em morrer de amor
Amava de cada vez como se fosse a última
Chorava nas despedidas breves
Abria o peito à dor
e deixava-se levar...

Amar era tão bom quanto morrer de amor
Urgia alimentar o vício
Quando morrer de amor se tornou insuficiente
Começou a caçar
Fingia que amava até não poder mais
Até não lhe apetecer mais brincar a isso

Não importava quem deixava para trás
desde que o sofrimento tivesse a sua assinatura
deixando tatuado o desencanto e o desamor

Alimentava-se da morte de amor dos outros

...
A escuridão da cidade abriga  um uivo de dor
só percebido por ouvidos desumanos
e desenhado nos sonos inquietos

domingo, 21 de outubro de 2012

porque sim

...


Agarrou-se àquela golfada de ar como se fosse a última. Previsível e irremediavelmente, esgotou-se. Não havia explicação, vieram de todo o mundo médicos e especialistas analisar o caso: vivia sem respirar. Cada noite de sono era velada como se fosse a sua última noite. Despedia-se dos cheiros, dos sons, das cores e dos afectos. Na manhã seguinte um esquadrão de técnicos e especialistas assistia ao despertar. Estavam equipados como todo o tipo de aparelhos para reanimação, caso fosse necessário. Acordava e perguntava, um a um se ainda vivia. Todos lhe respondiam que sim, só assim, a custo, acreditava. Passaram dias, meses, anos. Sempre o despertar era assim. À sua volta estava instalado um centro de operações, foi construído um laboratório. Sempre amanhecia perguntando se vivia, a cada um dos que a observava. Até que uma madrugada, após todos terem respondido afirmativamente, perguntou de novo: - Porquê? - E perguntou um a um. Respondiam em silêncio, um encolher de ombros, um aceno de cabeça. Apercebeu-se da presença de uma criança,  num canto do seu quarto. Fazia um desenho. Fez-lhe a pergunta e ela respondeu prontamente, sem parar de desenhar: - Porque sim! 

...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Mar adentro






Mar adentro,
mar adentro.
Y en la ingravidez del fondo
donde se cumplen los sueños
se juntan dos voluntades
para cumplir un deseo.
Un beso enciende la vida
con un relámpago y un trueno
y en una metamorfosis
mi cuerpo no es ya mi cuerpo,
es como penetrar al centro del universo.
El abrazo más pueril
y el más puro de los besos
hasta vernos reducidos
en un único deseo.
Tu mirada y mi mirada
como un eco repitiendo, sin palabras
‘más adentro’, ‘más adentro’
hasta el más allá del todo
por la sangre y por los huesos.
Pero me despierto siempre
y siempre quiero estar muerto,
para seguir con mi boca
enredada en tus cabellos.


Ramon Sampedro






sábado, 13 de outubro de 2012

um dia

...

quando arrombarem esta porta
e me encontrarem morta
não me tragam rosas nem lirios


tragam-me o vosso calor
aquele que de mim fará cinzas

queimem tudo o que alguma vez foi meu

e cantem
bebam, festejem

dancem à noite com a minha sombra despida
aquela dança que nunca dancei em vida

no final,
fechem a porta e não olhem para trás

assim me amarão
assim partirei em paz

...





quinta-feira, 11 de outubro de 2012

onde me deslaço



...

a minha vida é um fio frágil

seguro-a com ambas as mãos

torno-a mais curta a cada nó

próxima do fim da linha

fico mais forte e só

numa memória só minha

...

terça-feira, 9 de outubro de 2012

dançando à chuva

...

- Estás triste?
- Um bocadinho...
- Anda, vamos lá para fora brincar!
- Não vês que chove?
- Não vês que também está Sol?
- E depois?
- Quando chove e faz Sol, as bruxas festejam e comem pão mole!
- E o vento não nos desfaz?
- Aproveitamos a sua boleia, ele leva-nos a comer um gelado.
- Então vamos, talvez no caminho apareça um arco-iris.
- Vamos lá!
- E agora, porque ris?
- Porque tens chantilly na ponta do nariz!

...

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

respirar mar

...

eis-me, o abismo que te abraçará
nas águas revoltas da busca de tudo

eis-me, de mãos vazias em oferenda
de falsos diamantes e sonhos acabados

pouco tenho para dar
porque nada possuo

não mais que um oceano de amar
não mais que a vida e o dom de te respirar

...



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

limbo

...

... a tinta vermelha rasga o papel em que te escrevo como se rasgasse a pele. Não escrevo palavras, grito por socorro. Perco o sangue e a razão, nestas veias abertas na ausência de um abraço. Cravo as unhas nas paredes em busca do caminho. Para trás há engano, para a frente não há caminho. Fico e espero. Fico sem saber se estou viva ou morta. Fico, apenas. E espero o dia em que te deixes encontrar.

...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

sentidos


...

hoje vesti-me de ti no silêncio de amar

perfumei-me de Outono

pisei folhas secas da cor do teu olhar

soam a beijo e sabem a mel
                               e a sal

...

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

esquecimento

...

Com as lágrimas secaram também os lábios, à força de não serem beijados. Baixaram-se as luzes e escondeu-se o Sol, foi assim que se apagaram os olhos. O resto do corpo passou a receber os cuidados de um cacto, enfrentou secas, intempéries e ventos. Resistiu mais do que qualquer flor, desbaratou a cor e deixou-se esquecer.

...

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

relógio de bolso

...


Não temo a morte
o que nos leva é o Tempo 
Ofereço
o Tempo 
em sacrifício a cada respiração perdida
em vão
Partilho
o Tempo em cada sorriso
e desperdiço-O 
sempre 
que O prefiro ignorar
Faço o Tempo
parar
sempre 
que abraço 
e incendeio-O 
sempre 
que amo
Amo sem Tempo

...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

alucinante




viagem urgente
dos teus dedos
desbravas
                                corpos
 abres
                                                      caminhos
Enfrentas fúrias
 Dores
                   medos
 semeias                                                             desejos
                                                                                         fantasias 
E não choras na hora da partida
 apenas te deixas
                                                a
                                                       f
                                                               o
                                                                g
                                                                a
                                                                 r
                                               no ar que respiras
Morres
                                                                                     a cada renascer
                                             a cada torpor
 adormecido
 em coma convulsivo

na intoxicação de um orgasmo

 Arrancado
                                                                                     à angústia de Ser

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

"é doce..."


...

Foi assim que acordou. Olhou o espelho e viu um trapo. Correu pelas ruas, atravessou o rio, deu por si numa ilha. Alguém lhe dissera que era deserta. Assim era, tão deserta quanto ela mesma. A maré estava vermelha de algas, conchas, pedrinhas, vida e sangue. Cada onda trazia o seu próprio sangue à costa. Levava-o no seu enleio, abandonava-o depois, como lixo, sobre o areal.
De sandálias na mão, pontapeava o seu próprio sangue. Empurrava-o mais para o esquecimento. Quem a visse julgava que se divertia, não sentia o desespero que imprimia em cada gesto, o grito calado.
Amar, sabia que amava. Da mesma forma que sabia que não era amada. De que vale o amor da nossa vida, se a sua vida parte para outro amor? De que vale a consciência de amar, a força de o calar, se o espelho apenas reflecte um trapo?
Nas ondas viu um vulto mais vermelho que o seu sangue, mais intenso, com vida própria.  Movimentava-se, dançando nas águas pouco profundas. Podia ser um peixe. Podia ser uma sereia. O mar rugiu em fúria: - Parte! Vai-te dessa vida! De que te vale uma vida sem amor? Nada! 
Uma onda ergueu-se, cobrindo a Lua Minguante que nascia no horizonte, as gargalhadas do mar cobriram toda a Terra. Quando se foi, levou o sangue que lhe restava. 
...

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

caixa negra

agarrei um sonho

guardei-o numa caixa pequena
                                                 forte
 a caixa
                                                             lindo
o sonho

beijei-o na despedida

fechei-o à chave
                                        em lágrimas
o adeus

                  de prata
a chave

rebola e tropeça

cego e trôpego
                                     o sonho
em mim

sempre

Cai nos precipícios
arrasta-se por calçadas
viaja pelos mares
no aconchego da caixa pequena

                                                        forte
a queda

resiste
não quebra
não solta
vive e respira assim
                                                                       em mim

sábado, 25 de agosto de 2012

meio sonho


sonhava sempre inteira

                                  com meias luas
nas noites escuras

estrelas em
                               vertigem
                 
              cadente

no conforto do seu delírio

                                      etílico

feita luz de luar

sonhava sempre inteira
                                    com meias luas

metades inteiras

domingo, 19 de agosto de 2012

eau de vie

...

não pertenço ao tempo
aprisionada na ausência
e
no silêncio
calo amores
amordaço dores
renego-me 
e
apago-me
como uma vela 
acesa para alumiar caminhos
incendiar desejos
tal
fogueira apagada
em mim 
consumida
no desencontro
eterno

...

porque não alcançamos o Sol?



terça-feira, 14 de agosto de 2012

desesperança

...

sentes
todos os dias metade do teu corpo se desprende de ti
e regressa
e de novo parte
todos os dias temes a partida
sabes
sim tu sabes
um dia 
essa metade de ti não voltará
dedos em sangue
unhas partidas
agarras
um rochedo inventado por ti mesma
e sabes
tudo se irá desmoronar
e dissolver
nem
a noite apagará a dor
nem
a música 
nem
as gargalhadas noctívagas fecharão a ferida
ardente

fica
o sangue entregue
bebido 
em orgasmo sôfrego 
derramado 
...



quinta-feira, 9 de agosto de 2012

o índio e o cowboy

...


- Por que não podes vir brincar?
- Porque fiz um dói-dói no joelho.
- Mariquinhas!
- É grande! Olha!
- Ui... pois é! E dói?
- Pois dói! Queres ver? Toca lá!
Os dois amigos recuam de dor.
- Ui! Dói a sério!
  E passaram o resto da tarde juntos, a não brincar naquele dia... 

...

domingo, 5 de agosto de 2012

ver-se a noite

...

iluminadas pela Lua, as bandeiras de prece,
cavalos de vento
ganham forma de gigantes suspensos

miram-me

uma folha caída de um ramo de árvore
soa a gongos distantes

neutra

a Lua observa-me e aguarda

breve será a madrugada da apagada memória
breve será o testemunho
de eterno
do amor que por mim, ténue, passa
...



sábado, 28 de julho de 2012

de grafite

...


se eu fosse um poema


estaria por escrever


no bico de um lápis
apontado a um rio


se eu fosse um poema


teria morrido ao nascer
cuspida de um ventre em explosão


se eu fosse um poema


não teria palavras
seria um mar 
sem ondas 
sem marés
sem fim
eternamente por acabar


se eu fosse um poema


media com o próprio sangue
o tempo que não vai sobrar
 ...

sexta-feira, 27 de julho de 2012

pérolas e diamantes

...
     
__________já Só__________ resta coração______

_______vendi__________________________ Tudo_____

                 _____não_____________ recebi Nada

                         fiquei __________quebrada

         _______________E rica______________

...

domingo, 22 de julho de 2012

longe

...


brotou vida no meu corpo


amparei o choro


aprendi o amor


- vício de vida -


respirei em chamas


como se existisse


na lembrança


assisti ao definhar da minha pele
à secura dos meus lábios
ao partir dos amigos


tudo se fez longe
no tempo


tudo se fez tarde
na distância


na espera


na morte


intrusa em mim


desde 
o primeiro dia


que se cumpra pois 
__________________o último

...


quinta-feira, 19 de julho de 2012

... de uma noite de Verão

...


demos as mãos
e acreditámos num mundo nosso
invencíveis, corremos estradas
e caminhos
escalámos montanhas
rebolámos dos montes aos vales
esmagámos o colchão na nossa luta
matámos sedes
e curámos feridas
cantámos madrugadas
embriagados de mel
tornámos lentas, as horas
e o caminhar
o nosso destino era o areal
e tu, o seu grão levado pelo vento 


escorregadio 


entre os dedos minha mão

...

terça-feira, 17 de julho de 2012

tic tac

...


o tempo
função matemática da distância a que desenhas o futuro
e da velocidade escolhida para o alcançar,

é lento,

na felicidade que se espera,
é lento,

na vida que se demora
em nós,
é lento,

na pressa do amor
feito nos lençóis rasgados,
é lento,

e



urge
quando se acaba

...





terça-feira, 10 de julho de 2012

tão perto de um fim...

...

Ofereço-te
o meu silêncio
nas notas dedilhadas
em nós
nas nossas almas
Ofereço-te
a minha ausência
num copo de vinho
sacia em mim
a tua indiferença
a loucura
de um passado
inventado
a dor
de um futuro
amordaçado
Ofereço-te, sim...
não mo roubes
pois ofereço-o a ti
no teu olhar embargado
a minha ausência de braços, a minha secura de lágrimas

o meu grito

o meu silêncio

...

quarta-feira, 4 de julho de 2012

"todo o poeta é um fingidor"

...


- Agora a fingir que eu era uma princesa. 
- Sim.
- Agora a fingir que tu eras um sapo.
- Porquê um sapo?
- Para eu te beijar e te transformar! Mas só a fingir...
- Se for só a fingir podes beijar-me e transformar-me. Mas só a fingir.
- Claro que é só a fingir! Se não fosse a fingir como poderíamos voltar a brincar?


...

sábado, 30 de junho de 2012

... a walk on the wild side

...


Fechou a gaveta com decisão. Um som seco e firme. Lá dentro deixara a alma. Fora, ficou o corpete vermelho, o cinto de ligas, as meias pretas. Vestiu-se como uma galdéria. Não queria deixar margens para dúvidas: ia oferecer-se essa noite. Caminhava rápida, como quem foge da cobardia. Encontrou um homem. Não quis avaliá-lo, bastou-lhe sentir que ele não estava interessado em saber o seu nome. Pediu-lhe um cigarro que nunca fumou. Minutos depois desafiavam a suspensão do seu velho carro. Abafados em  odores, impregnados de sabores. Partilharam. Não beijou, não foi beijada. Como uma verdadeira galdéria. Não se despediram, seguiram caminhos diferentes. Não chegaram a saber o nome um do outro. Era madrugada quando chegou a casa, olhou a gaveta. Fechou-a à chave. Abriu a janela e atirou-a o mais longe que conseguiu. Aliviada, deitou-se sobre a cama, ainda vestida. Adormeceu, um sono profundo e não sonhou. A partir dessa noite nunca mais sonhou.


...

sexta-feira, 22 de junho de 2012

eterna

...

Renasceu. Tudo não passou de um engasgo de alma. Renasceu. E não foi bom. Por mais que a tosse sacudisse a sensação de perda, não conseguia espaço suficiente para respirar de novo. Sentia os olhos húmidos, o corpo esmagado, dilacerado. A pele parecia ter-se queimado e nascido de novo. Nenhuma dessas sensações era boa. Fechou os olhos, evitou tossir durante uns segundos. Procurou na escuridão que criou em si, uma recordação, uma memória, uma pequena história. Como chegou ali? Conseguiria recordar um prado de flores? Um toque macio na pele? Vazia. A sua alma estava vazia, renascida, sem ódios mas também sem amor. Parou de tossir, de nada servia, aquele era o ar que agora tinha para respirar. Sentiu uma gaze áspera secar-lhe os olhos. - Está a chorar? Não respondeu. Ficou zangada por renascer num mundo onde não pára de morrer.

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quarta-feira, 20 de junho de 2012

era uma vez

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Era uma vez um mar, onde flutuavam todos os rostos esquecidos. Sem maré, o caminho fazia-se à deriva, sem partida nem chegada. Uma noite, um meteorito rasgou os céus, caiu sobre o mar. Febris, as águas agitaram-se, iluminaram-se, deixando que a Lua percebesse o contorno dos rostos. Foi uma agitação que nunca mais abandonou aquele mar, uma luz que nunca mais ali se apagou. Os rostos, conta-se, insurgiram-se contra o seu destino de deriva solitária. Uniram-se, cuspiram os corações, deixaram-se afundar. Deles nasceu um magnifico coral, fonte e abrigo de vida, colorido, alegre e imortal.

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sexta-feira, 15 de junho de 2012

lua nova

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Da mesma forma que outrora me dissolvi em amores, dissolvo-me hoje nesta noite sem lua. É a  ausência que torna mais brilhantes as estrelas. É a mão que me arranca o coração que torna cada pulsação um momento impossível de magia. Acontece. Tudo acontece à minha volta. Nada se desvanece em mim. Apenas os contornos de um corpo que já não o é. Apenas a minha alma, em liberdade, planando sobre a ausência de cor de um mar sem horizonte, salpicado de estrelas. Apenas eu, dissolvida no mundo, rosto de todos os rostos. Uma estrela do mar, sem constelação, vista da terra, desalinhada no céu.

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quinta-feira, 7 de junho de 2012

maré

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caiu uma estrela sobre o mar
pó de ouro fez-se prata, fez-se areia
em memória dos tempos em que a via brilhar no céu
o mar fez-se onda
e nunca mais deixou de a beijar

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domingo, 3 de junho de 2012

H mudo

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Há o sol a serpentear pelo teu corpo 
acabou de ser beijado pelos meus lábios


Há a brisa a afagar o teu rosto
já desalinhou os meus cabelos


Há o silêncio que saboreias
e
já sentido na minha língua


Há o odor a maresia que respiras
o mesmo que respirei sem ti


o teu tempo não é o meu tempo


desfizemos nele o nosso abraço


façamos agora
amor
e
o nosso laço


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quinta-feira, 31 de maio de 2012

pois que se invente

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Esta manhã, ao acordar, tomei consciência de há muito tempo que não escrever, amor, nestas linhas. Há muito tempo que deixei de escrever, amor. Não preciso contar, sei de cor a palavra mais usada nestas linhas... num primeiro impulso, para me defender da minha auto-critica pensei que uma pessoa escreve o que sente. Logo me perguntei: - Então porque deixei de escrever, amor? Afinal, quem está a ganhar esta batalha que travo há meses? Não posso, não posso perder a palavra, amor, não posso permitir que no meu fim o amor se apague. Tenho que escrever, amor. É tempo. Tenho que voltar a lembrar, talvez até... quem sabe? Inventar, amor.

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domingo, 27 de maio de 2012

(...)

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(...) a noite afaga a cidade, coberta por um manto emprestado de escuridão e silêncio. Os jardins perdem as cores, ganham odores. Dos cantos obscuros surgem aqueles que a multidão não viu de dia. Conquistam os bancos, habitam-nos com as suas mantas e trapos. Do rio ouvem-se acordes de guitarra, uma voz limpa e afinada. Uma velha sobe a calçada, vergada pela dor. Negra, a calçada, negra, a velha, pele curtida pela vida, em dias de mais sol. Nem a própria sombra a acompanha. Pára. Faltam-lhe as forças para continuar a subida. Deixa-se escorregar, fica deitada sobre a calçada. Lembrou-se de um dia em que viu um sorriso, um olhar que banhou o seu. Sorriu, desejou nunca mais fechar os olhos e abalou. Não atrapalhou. O fado continuou.


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sexta-feira, 25 de maio de 2012

lovtaps

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Era uma vez um Lugar Onde Viviam Todas As Pessoas Sós. O lugar não tinha nome, pensa-se até que não ficava em sítio nenhum... nunca ninguém falou sobre isso. 
Nesse Lugar, imperava o silêncio, não se ouviam vozes, risos, canções. Por outro lado também não se ouviam discussões. Ouvia-se chorar, sim, chorar ouvia-se, ao cair da noite. Quando o lusco-fusco espreitava, soltavam-se as primeiras lágrimas. Pela noite dentro, o choro invadia as ruas. Através do choro, os habitantes daquele Lugar sabiam identificar o grau de solidão de cada um, adivinhavam quanto tempo mais viveria o dono ou a dona daquele choro. Desse modo, iam sabendo que casas iam ficando livres à sua volta e mudavam-se, em silêncio. Estavam em constante mudança, sem nunca saírem dos limites  do Lugar Onde Vivem Todas As Pessoas Sós e continuavam sós. Nunca se lembraram que ali ao seu lado, existia outra pessoa só, nunca se lembraram que se um dia tivessem a coragem, deixariam de estar sós. Bastaria um olhar, um sorriso... Foi assim, vazios de olhares, vazios de sorrisos, que uma noite morreram todos os habitantes do Lugar Onde Viveram Todas As Pessoas Sós.
E nunca mais se pensou sobre isso.
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sexta-feira, 18 de maio de 2012

rubor de nada

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Calo o silêncio em mim, 
no embaraço de cada ausência.
Aperto no peito o choro 
e finjo...
Finjo paz, 
finjo gargalhadas,
finjo as respostas nunca dadas.
Não, não sou ninguém,
apenas solidão pura em essência.
Sobro-me na tristeza.
Dói-me a solidão, 
Perco-me do corpo,
No rubor da bofetada.


e foi-se a alma...


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sexta-feira, 11 de maio de 2012

homem sol



Numa dança de papel de rebuçado lançado ao vento, aos tropeções por entre sapatos e sandálias apressadas, 
deu por si debaixo do Homem Sol.
Tanto que desejou conhecer o Homem Sol! 
Pois ali estava: grandioso. 
Rodopiou por entre os seus pilares, experimentou a sua força.
Impossível demovê-lo. 
Impossível levá-lo consigo para casa. 
Sentou-se no centro. 
Queria fazer parte do eixo daquela imagem. 
O Sol estava para ficar, quente, brasa gigante incandescente. 
Sentiu o corpo a arder, o cérebro em ebulição. 
Ouviria pulsar? 
Seria o seu próprio coração transbordante de vermelho? 
O pulsar tornou-se mais forte, aproximou-se em velocidade alucinante. 
O som... ensurdecedor, lembrança de ventre materno. 
A pele ganhou a cor da estátua em que se abrigava. 
Os membros derreteram. 
Os braços, asas de celofane. 
Veio de novo o vento, na vertigem do pulsar, levou o papel de rebuçado, levou o som, levou o Homem Sol, levou o Rio. 
Deixou lágrimas derramadas no  chão onde nasceu um novo Mar.

domingo, 6 de maio de 2012

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O convite estava na minha mão. Olhei-o, virei-o, revirei-o. Não estava assinado. Era um convite para uma festa. Ao chegar, fui observando os convidados. Desconhecidos. A poucos teria desejado um Bom - Dia noutros tempos, mas nem resposta obtive. Não repeti a proeza. Limitei-me a estar. Circulei por entre os desconhecidos, guiada por um copo que me levava pela mão e abria caminho por entre as sedas, os perfumes e as cabeleiras. A um toque, a um desvio, escapava-me um sorriso. Por vezes era imitada, como um símio bem educado, outras vezes nem isso. E a festa era enorme, nunca mais chegava ao fim do salão, onde acreditava encontraria uma saída para aquela solidão cínica. Descomposta pelos encontrões, toldada pelo álcool que teimava em não desaparecer do copo, finalmente encontrei uma cortina, vedada por um "gorila" de preto, t-shirt tamanho S em tronco tamanho XL. Olhei-o, queria passar, queria sair dali. Em silêncio acena que não. Irritada perguntei porque não, não fazia sentido estar naquela festa sozinha, onde não conhecia ninguém, onde ninguém parecia ver-me. Mudou o seu semblante de primata de vigia, abriu os braços num sorriso e ouvi a voz que terá roubado de véspera num qualquer bar de New York: "That's Life!".

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http://youtu.be/KIiUqfxFttM

sábado, 28 de abril de 2012

esquecimento

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Inesquecíveis, 
os odores perpetuados no vento em que partiste.
Ainda respiram, 
as paredes,
testemunhas de canções soltas, projectadas no betão. 
Range a cama, 
cansada da dança. 
Atirados ao chão, na fúria de tanto amar, 
os lençóis ganham vida, 
são  trama de Nós. 
Algemas de seda de um amor
tão incendiado que se extinguiu
e se esqueceu.

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segunda-feira, 23 de abril de 2012

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Foi longa, a caminhada. Fui beijada por ervas rasteiras, verdejantes, ainda molhadas pelo orvalho da madrugada. Andei a passos largos, enquanto pude. Decidida. Deixei cada passo marcado na terra escura, fértil, molhada. O caminho levou-me a solo arenoso. Eram cactos que agora me arranhavam os tornozelos. Tudo estava árido em volta. Os passos perderam o vigor, a agilidade. Deixaram de ficar marcados sobre a areia. Impossível aprender o caminho de volta. Sem volta. Sem retorno. Agora era rocha o que eu pisava. Em breve seriam algas a roçar-me o corpo. A caminhada deixou de se fazer. Tornei-me sal.


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quarta-feira, 18 de abril de 2012

vicissitudes do fumo

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Aperta-se o peito em convulsões
No desespero de respirar um grito
acontece algo que receava há muito...
- Regurgitei o coração!
Apanho-o com uma mão
Ergo o rosto e a chuva leva-me o sangue
ao passear a língua pelos lábios
confirmo o sabor: doce e um travo de sal
Na outra mão um cigarro acesso
levo-o à boca
enquanto tento perceber o que me diz o coração
- ainda pulsa
cada pulsar uma palavra indistinta
amor, ódio, paixão, liberdade?
soprei o fumo sobre aquele músculo,
apenas um coração que já não me pertence
olhei o céu
pensando:
- se ao menos eu  tivesse cérebro...

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domingo, 15 de abril de 2012

mais um dia perfeito

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anoiteço-me
na manhã vestida de fantasmas
coberta pelo negrume do olhar da ausência
no aconchego gelado da solidão
anoiteço-me
avisada da perda nos dias e nas horas
afogada no silêncio em que me apago
não, não vou amanhecer
enleada em nós de fios de prata
encandeada na escuridão de ser

mulher

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quinta-feira, 5 de abril de 2012

serra da lua

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Quero o Sol! - Gritei na noite escura, sem Lua. E percorri um caminho ladeado de pirilampos... sem destino, ia para onde a sua luz me levava. Dei por mim na serra, parei sob a pedra negra, redonda. Os pirilampos cumpriam a sua tarefa: iluminavam o meu caminho de volta. Atrás de mim, dormia em desassossego o Convento,  visitado por almas esquecidas. Senti a rocha, fria. Encostei-me a ela por ser o mais parecido que consegui com um abraço. Devo ter dormido um pouco, assim... o Sol ainda não tinha aparecido no horizonte - eu nem sabia onde ficava o horizonte - a rocha estava agora sobre mim, esmagando-me com o seu peso desumano. Em redor os pirilampos continuavam a iluminar o caminho de volta. Não fui por aí... esperei o Sol.

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terça-feira, 3 de abril de 2012

a caminho de uma lua quase cheia

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Reinvento-te
Na insensatez dos gritos lançados sobre a cidade adormecida
No murmúrio que me sopras ao ouvido para não temer a trovoada
O céu há-de cair um dia, não hoje, não esta noite
Reinvento-te
Nos dedos entrelaçados na urgência do prazer
Nos lábios mordidos em busca de sabor
Não és ventre, nem rosto na barba por fazer
És fragrância
Extrema unção
Sobre o meu corpo de mulher

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sábado, 31 de março de 2012

sem cais

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trucidado
apodrece o corpo
________________não morre assim
jaz sobre os carris
em espasmos febris
não se despede da vida
_________________não abraça a morte
apodrece
fede de memórias
_________________escarro de vagabundo
ossos e sangue
amalgama de dor
__________________outrora campo de flores
em tempos toque de cetim
corpo entrelaçado em ternura
__________________ partiu num engasgo
de amargura
na rouquidão de um orgasmo


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