domingo, 24 de fevereiro de 2013

pompa e circunstância

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perdi a conta aos dias que passaram sobre tantos iguais a este
perdi a conta as vezes que se pôs o Sol, depois do primeiro que já não viste

oiço ainda o som seco dos torrões de terra atirados sobre o teu caixão

imagino-o escutado de dentro

e fecho o livro, marcado com uma linha de coser

a mesma linha com que foste alinhavando a vida
construindo finais possíveis inundados de culpa e de lágrimas
como nos romances

perdi a conta aos finais que escreveste... perdi-os de tal forma que nunca saberei
se esse foi o final que escolheste

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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

liberdade

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O Tejo vestiu prata, hoje. Cobriu de tule branco o pudor com que assistiu ao beijos que nos arrancámos nas suas margens. Os pilares da ponte suspensos. O Cristo-Rei a pairar, sem chão. Só nós, só os nossos lábios já sabendo a sangue. Afina-se a orquestra, no rio. Saltitam as aves marinhas, em busca de vida. Um barco anuncia-se... ou procura porto? Outro responde... 
Esperamos a entrada do maestro, preparamos as mãos para os aplausos. Aos pés temos as correntes que nos prendem ao cais. Não sabemos a que nos seguram, não sabemos se as queremos. Porém, fomos nós que as inventámos. Para nos sentirmos seguros. Não bastam os beijos, não bastam lábios nem as nossas mãos. Um barco anuncia-se e não obtém resposta. O porto estará livre, ou simplesmente o mundo desertou? A âncora está a postos, só não a queremos usar ainda. Viver à deriva... sem amarras.

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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

silêncios

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pedes-me palavras de amor

nenhuma me pertence

calo-me, muda, sem palavras

e dou-me
no silêncio que se faz no roçar dos corpos

e dás-te
no sémen que se derrama sem saber

pedes-me então mais silêncios,
mais pele na pele,
mais fundo

não sei se dou, não sei se dás
tudo é receber
tudo é dar e sentir

perdemo-nos no balanço
no deve e no haver
nos sentidos sem sentido

e vamos
no nosso  grito

a dois

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