quinta-feira, 18 de julho de 2013

sem rede

...

Hoje acordei borboleta
ainda meia larva,
atrapalhada,
lerda e tonta de luz

esvoacei em círculos,
tropecei nas próprias asas,
cai em pirueta

nas tuas mãos abertas,
em concha
                    para me amparar

aconcheguei-me e fiz-me gata
fiz-te dono
na preguiça de acordar,
na delicia de te tocar

esvoaçámos juntos,
fizemos malabarismos e danças malucas
em queda livre,
                        até a alma planar

e voltei a ser borboleta

a serpentear no teu olhar

fiz-me larva,
escondi-me
fiz de ti o meu casúlo

amanhã voltaremos a acordar

...

domingo, 14 de julho de 2013

os sós e os outros



Todos as semanas havia um dia em que a cidade era inundada por gritos de socorro. Os habitantes fingiam não ouvir. Uns reuniam-se em templos, calando os seus próprios gritos em uníssono com cantares de esperança. Outros, vestiam a melhor roupa e deambulavam em silêncio, procurando um lugar bonito que abafasse o grito que lhes apertava o peito. Também havia quem se escondesse numa sala de cinema, a salvo de olhar e ser olhado. Estes eram os Sós, os sempre Sós ou os Sós que faziam parte do horário de expediente daqueles que saiam a dois ou em grupo, em família.
Os outros, os que saiam a dois ou em grupo ou em família, calavam o seu grito de socorro, respiravam-no por todos os poros, mas negavam-no, em silêncio. Quando se cruzavam por um dos Sós deixavam escapar um olhar de inveja, por tanta tranquilidade e tanta paz, ignorando que também eles estavam ali calando o seu próprio grito, julgando ver nos Sós a liberdade que eles não tinham ou perderam um dia. Do mesmo modo, sempre que um Só se cruzava com um dos outros, dos que saem a dois, em grupo ou em família, suspirava de tristeza, desejando ser como os outros, desejado e não esquecido.
Nunca foi encontrada moral para esta história que um Só inventou num dos dias em que a cidade foi inundada por gritos de socorro. Nunca se chegou a saber quem vivia mais feliz, se os Sós, se os Outros, porque nem os Sós nem os Outros se sentiam amados... nem livres.

domingo, 7 de julho de 2013

dias perdidos

...

Num dia podia morrer
                                  tudo ficaria igual
Os amores por fazer,
                                  os beijos por dar
as viagens

os caminhos por percorrer

Sim...podia morrer
                                morreria feliz
na consciência
                          tudo por terminar
na certeza
nada nem ninguém ficaria a perder


Ou talvez não
                      talvez deixar-me pasmar

no calor de um domingo

sem esconder o sol
                   deixá-lo queimar-me o corpo

fintar as ondas do mar
                 não vá apagar-se o fogo posto

Ou desejar mais um dia

jogar às escondidas com a vida,
                                     desafiar a sorte

rir e gargalhar
                     à toa como um peso morto

afogar-me no fingimento

... só mais um dia...