domingo, 27 de outubro de 2013

à espera...de rosa

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Esperei por este dia, sentada no último degrau da escadaria de mármore rosa. Vi passarem os dias e as estações. Passou o tempo e tudo passou. Eu fiquei. Fiquei. Eu e a vida. Eu e o mundo todo. Quando me levantei, já não me lembrava o corpo, nem os movimentos possíveis. Imaginei cordas e inventei-me marioneta. Torpe, desengonçada, sem fala. Só o coração manteve o seu ritmo, ancestral, tribal. Para lá do meu corpo, silêncio. Foi muda que imaginei pássaros e cantei. Dançando, libertei-me das amarras e voei. Passei pelos dias e pelas estações, passei pelo tempo e tudo passou em mim.

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domingo, 13 de outubro de 2013

(quando) a terra se (me) acaba


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Olho para baixo, na esperança de ver o mundo. Apenas umbigo. Para baixo, apenas vejo o meu umbigo, sinal irrefutável de um dia ter habitado um ventre. Para lá deste umbigo, vejo escarpas aguçadas e escuras, espuma branca de ondas desfeitas, frustradas no tempo gasto desfazendo rochas, cavando grutas, derrubando falésias. E grito ao horizonte: - porque não te cansas de ser sempre linha? Porque não foges e não te dissipas na escuridão do universo? Engolido pelas trevas talvez uma dia sejas cama, albergando estrelas. Vai!

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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

estilhaços

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vejo o mundo em escala cinza
sem som
à velocidade do coração

não fosse a silhueta de um piano
as tosses na plateia
o ruído de papel de rebuçado
e não suportaria a espera

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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

... em sol menor



em fuga
procuro-me nas prateleiras de um supermercado, nas montras das lojas. Um sinal de que o mundo sabe da minha existência. Nem que para isso tenha que dar dinheiro ou oferecer a desconhecidos o que eu gostaria de um dia receber. Nem a casa dos espelhos numa feira consegue reflectir a ausência que carrego comigo.
cansada
encontro uma parede onde me encostar, aliviando por breves momentos o fardo da solidão.
deslizo, em direcção ao chão molhado e fico sentada. Olho o vazio e vejo os rostos que se dirigem noutras direcções, disfarçando o embaraço. Vão carregados de compras, presentes e embrulhos. fogem da chuva como se fosse ácida, tão ácida como a sua inconsciência.
adormeço
enquanto a noite desce, enquanto o burburinho é abafado pelo ruído de talheres longínquos em mesas próximas. Já comia qualquer coisa, quanto mais não fosse um fragmento do pensamento dos que passam.
- você! Sim, você! Não tem outro sitio para onde ir curtir a piela?
era comigo. Alguém falou comigo! Não respondi, já era tarde, instalava-se o rigor mortis e eu ainda viva.