sábado, 23 de novembro de 2013

fogo fátuo

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esta noite

não foi de chuva
                           nem de estrelas

foi fogo
                 em pedaços

explosão rasgada do teu peito

tão perto de alcançar os céus
                             tão perto de ser via láctea

cobriu de luz toda a cidade

aqueceu as mãos geladas e sós

os sorrisos brilharam
                                             assim
molhados de fogo

as mãos

tocaram-se

iluminando
                 os corpos
                                     livraram-se das roupas

e gargalhadas soaram na noite fria

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terça-feira, 12 de novembro de 2013

aconchego

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Dei várias voltas ao bairro. E à cabeça. Pisei calçada e cascalho. 

O corpo cansou-se.

Por vezes uns sobressaltos, como se uma bateria pedisse para ser recarregada. 

Umas luzes a brilhar na noite escura, por breves instantes. Podiam ser estrelas. Podiam brilhar há milhões de anos atrás. Só agora as vejo, nada me garante que ainda lá estejam. 

O Universo não passa de um bolo de aniversário, cheio de velas desengonçadas, mas persistentes. Não basta um sopro para as apagar. As suas chamas sobrevivem aos perdigotos cuspidos, aos dedos que as apertam. 

Cheiram a pavio queimado. Cheiram a baunilha. 

Chego a casa. Não está iluminada. 

Fria, desabitada. 

Acendo as luzes, tomo um banho quente. Lavo o corpo, lavo a alma. 

Arregaço as mangas e vou para a cozinha. Preparo um bolo. Outro bolo. Um bolo novo. De chocolate. 

Abro as janelas, estico os braços e apanho uma mão-cheia de estrelas. 

Não me faltarão velas.

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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

às cambalhotas na tumba com Popper

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Já o dia ia a meio quando vi que era falso. Foi um susto, o coração a pular no peito, parvo, como se tivesse vontade própria, como se fosse cérebro. Não me perdoei o engano, como me deixei enganar, como foi possível não ter reparado no falso amanhecer. Tudo parecia tão real. Tudo parecia ter forma e vida. Afinal, nenhuma das palavras que disse era audível, nenhuma das palavras que ouvi foi dita. Nada do que vi aconteceu e nada do que aconteceu foi alguma vez visto. Julguei que ia envelhecer sem medos, na tranquilidade sábia de uma vida vivida e verdadeira, que se cumpria lentamente. Estava errada. Nada foi verdadeiro e nada foi falso. Os dias que restam são incertos, sem anoitecer, sem amanhecer. Assustadoramente falsos.

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sábado, 2 de novembro de 2013

ir

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Olho-te nos olhos do teu azul encoberto. Uma lágrima solidificada cobre-te o olhar, à força de nunca ser sido derramada. - Um homem não chora. - Tornou-se cortina, essa lágrima. Véu baço entre ti e o mundo que te deram a ver. Fronteira calcificada da tua própria alma. - Olhos que não vêm, coração que não sente.- Sentes a pele, sentes o calo, a dor que te corrói os ossos e não passa. O aperto que não te deixa o coração em sossego... e esses olhos, mesmo fechados, não dormem, nem se deixam apagar. Deixaste-me as palavras, cravadas no silêncio, viajadas no tempo. Nos meus sonhos, liberto-as das nossas mãos, ecoam pelo mundo inteiro: Partiste sem voar!

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