domingo, 27 de julho de 2014

crónica da descartabilidade heterossexual

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Engoli um analgésico, peguei na última nota de vinte euros e pintei-me de modo a tapar todo o esforço que estava a fazer. Se uma amiga faz anos e me convida, é importante para mim não lhe faltar. Eu ficaria triste se me faltassem sem um bom motivo, principalmente se ninguém aparecesse como eu suspeitava que lhe iria acontecer. 
Amigos são assim, às vezes não conseguimos suportá-los, não temos pedalada para as mesmas coisas… às vezes magoam-nos. Mais tarde percebemos que provavelmente não estamos isentos de culpa e lembramo-nos da importância da amizade, da gestão da imperfeição de todos nós, procuramos um equilíbrio, mesmo que frágil.
Conversámos, conversámos sobre temas inócuos, até que, inevitavelmente chegámos ao tema “amizade”. É aqui que quero chegar. E arrependo-me, arrependo-me de ter ouvido a opinião dessa amiga, que me diz que para ela as amizades passam, são temporárias, puf… acabam e não quer mais saber disso, os amigos vão e vêm…

Que homens me digam que não querem nada mais que uma curta aventura, ou que o façam entender, que depois cada um vai à sua vida… a isso não só já me habituei como me tornei adepta. Mas com uma mulher, uma amiga, ou que julgava eu ser amiga, pergunto-me, qual é o objectivo? O que estou ali a fazer? É que nem sequer uma contrapartida sexual está em questão…

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Da existência exclusiva em horário de expediente


já disse e volto a dizer
quero morrer num sábado
assim, sem incomodar
se morrer num sábado
ninguém dará pela minha falta
evitam-se as homenagens fúnebres
e a compra apressada das flores
que nunca antes recebi
só a partir de segunda-feira
vão dar pela minha falta
não vou atender o telefone
não vou responder ao email
não vou ver a conta bancária
nem fazer transferências
talvez nem pague a conta da luz
e terão que a vir cortar
e a renda
a renda ficará por pagar,
a roupa por estender,
não lembrarei os outros
dos assuntos que devem ser eles a lembrar
e não vou actualizar o status do meu facebook
porque não vou cá estar para o ler
e confirmar que minutos antes
estava suficientemente viva

para o escrever

domingo, 20 de julho de 2014

defunctorium


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Estou de luto

De luto pela humanidade

Envergonha-me tanto sangue derramado
Tanta criança assassinada
Vidas sem amanhã
Pessoas reduzidas a cinzas
Tanto ego exaltado
Tanto luxo para tão poucos

E o poder
O poder nas mãos de falsos deuses

Empunhando os seus talheres de prata
Degustando em copos de cristal
As lágrimas dos que ficam e esperam

A sua hora

…Talvez depois da sobremesa

Estou de luto
De luto por mim, por nós todos
Por pactuarmos em  silêncio, obtusos e impotentes
Com o dizimar de todo um futuro

... Enquanto não mudamos de canal

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