Fechou a gaveta com decisão. Um som seco e firme. Lá dentro deixara a alma. Fora, ficou o corpete vermelho, o cinto de ligas, as meias pretas. Vestiu-se como uma galdéria. Não queria deixar margens para dúvidas: ia oferecer-se essa noite. Caminhava rápida, como quem foge da cobardia. Encontrou um homem. Não quis avaliá-lo, bastou-lhe sentir que ele não estava interessado em saber o seu nome. Pediu-lhe um cigarro que nunca fumou. Minutos depois desafiavam a suspensão do seu velho carro. Abafados em odores, impregnados de sabores. Partilharam. Não beijou, não foi beijada. Como uma verdadeira galdéria. Não se despediram, seguiram caminhos diferentes. Não chegaram a saber o nome um do outro. Era madrugada quando chegou a casa, olhou a gaveta. Fechou-a à chave. Abriu a janela e atirou-a o mais longe que conseguiu. Aliviada, deitou-se sobre a cama, ainda vestida. Adormeceu, um sono profundo e não sonhou. A partir dessa noite nunca mais sonhou.
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