...
Foi assim que acordou. Olhou o
espelho e viu um trapo. Correu pelas ruas, atravessou o rio, deu por si numa
ilha. Alguém lhe dissera que era deserta. Assim era, tão deserta quanto ela
mesma. A maré estava vermelha de algas, conchas, pedrinhas, vida e sangue. Cada
onda trazia o seu próprio sangue à costa. Levava-o no seu enleio, abandonava-o
depois, como lixo, sobre o areal.
De sandálias na mão, pontapeava o
seu próprio sangue. Empurrava-o mais para o esquecimento. Quem a visse julgava
que se divertia, não sentia o desespero que imprimia em cada gesto, o grito
calado.
Amar, sabia que amava. Da mesma
forma que sabia que não era amada. De que vale o amor da nossa vida, se a sua
vida parte para outro amor? De que vale a consciência de amar, a força de o calar, se o espelho
apenas reflecte um trapo?
Nas ondas viu um vulto mais
vermelho que o seu sangue, mais intenso, com vida própria. Movimentava-se, dançando nas águas pouco profundas. Podia ser um peixe.
Podia ser uma sereia. O mar rugiu em fúria: - Parte! Vai-te dessa vida! De que
te vale uma vida sem amor? Nada!
Uma onda ergueu-se, cobrindo a Lua Minguante que
nascia no horizonte, as gargalhadas do mar cobriram toda a Terra. Quando se
foi, levou o sangue que lhe restava.
...
Sem comentários:
Enviar um comentário