domingo, 14 de julho de 2013
os sós e os outros
Todos as semanas havia um dia em que a cidade era inundada por gritos de socorro. Os habitantes fingiam não ouvir. Uns reuniam-se em templos, calando os seus próprios gritos em uníssono com cantares de esperança. Outros, vestiam a melhor roupa e deambulavam em silêncio, procurando um lugar bonito que abafasse o grito que lhes apertava o peito. Também havia quem se escondesse numa sala de cinema, a salvo de olhar e ser olhado. Estes eram os Sós, os sempre Sós ou os Sós que faziam parte do horário de expediente daqueles que saiam a dois ou em grupo, em família.
Os outros, os que saiam a dois ou em grupo ou em família, calavam o seu grito de socorro, respiravam-no por todos os poros, mas negavam-no, em silêncio. Quando se cruzavam por um dos Sós deixavam escapar um olhar de inveja, por tanta tranquilidade e tanta paz, ignorando que também eles estavam ali calando o seu próprio grito, julgando ver nos Sós a liberdade que eles não tinham ou perderam um dia. Do mesmo modo, sempre que um Só se cruzava com um dos outros, dos que saem a dois, em grupo ou em família, suspirava de tristeza, desejando ser como os outros, desejado e não esquecido.
Nunca foi encontrada moral para esta história que um Só inventou num dos dias em que a cidade foi inundada por gritos de socorro. Nunca se chegou a saber quem vivia mais feliz, se os Sós, se os Outros, porque nem os Sós nem os Outros se sentiam amados... nem livres.
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