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As suas pernas gigantes cortavam as ruas da cidade. Lábios cerrados como punhos, proibindo-se a si mesmo um sorriso. Atravessou estradas, avenidas, jardins. Nunca se cansava, nunca parava para ver a vida à sua volta. Continuava o caminho, por sua conta, batendo às portas, procurando um espaço por onde pudesse entrar. Um lugar existiria onde coubesse o seu ego. Uma porta aberta, uma frincha de janela ou os braços de uma mulher. Algo se abriria à sua frente. Na avidez da busca afastava tudo o que impedisse o caminho, calcava relva fresca, pisava flores. Só o vento se abria a si. Só o vento. Tonto e ofegante percebeu que uma ave estava caída no chão. Um pequeno pássaro, talvez um pardal comum. Se não parasse, se não se desviasse do seu caminho obsessivo em direcção a nada, esmagá-lo-ia. Parou. Olhou a pequena ave por momentos, semi-cerrando os olhos. Podia ter-se curvado, tomado o pequeno e indefeso ser nas suas mãos, tê-lo beijado e lançado ao vento. Ao mesmo vento que se abria no seu caminho. Deu-lhe um pontapé, desviando o olhar. Esperou para ouvir os aplausos da claque. Agradecendo, continuou o caminho, de mãos nos bolsos, na direcção de lado nenhum, na busca de ninguém, sem nunca abrir os lábios.
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