quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

alerta



... baixando-se apanhou a beata ainda acesa do chão. Ergueu-se lentamente, segurando-a entre os dedos, protegendo a fraca chama do vento e da chuva. Alerta laranja. A cidade estava em alerta laranja. A chama da sua beata, laranja. Fechando os olhos levou-a aos lábios. Apertou-a, respirou-a como se fosse o seu último trago de ar. O fumo invadiu-lhe o peito, queimando tudo à sua passagem. Suspendeu a respiração, deixou turvar-se o cérebro, as lembranças, o futuro vazio. Hirto, parecia deixar-se tombar. A parede amparou-o. Os olhos continuavam fechados. As rugas desenhavam um falso sorriso. Viu-se numa sala de jantar, viu-se no cristal dos copos meios de vinho, meios de nada. Viu-se na prata dos talheres e  no tilintar das loiças. Sacudiu-se no linho branco dos guardanapos sobre o colo. Ao seu lado, de pé e pela direita, serviam-no, de libré. Cada colherada de sopa caia no vazio. No vazio de um prato, no vazio de uma mesa, no vazio de si. O vinho entornou-se. Manchou de tinto a toalha branca, as calças negras, os punhos bordados. Deixou-se escorregar pela parede. Agachou-se no chão coberto de folhas molhadas. O vento arrancou-lhe a beata dos dedos cansados. Ainda acesa tombou sobre o lixo da véspera. Laços dourados, caixas e papéis coloridos. Vermelho. A cidade passou a alerta vermelho.

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