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Casaco comprido, cinzento de olhar, coçado e gasto a condizer com o rosto, Belinda senta-se no seu banco do jardim de todos. Arruma à sua volta os sacos, as mantas e os trapos. Se não chover, será ali que irá pernoitar.
A noite espreita. O burburinho do trânsito desvanece-se. Os transeuntes aceleram o passo, fogem do sol - pôr, como se ser surpreendido pela noite, ainda fora de casa fosse uma praga, uma maldição. Há que fugir e depressa, não vá a escuridão abater-se sobre os sacos de compras e os seus laços brilhantes, não vá o brilho caro esmorecer.
Belinda ajeita-se. Nidifica naquele banco. Torna-o a sua casa. Observa as árvores, seu tecto.
Devia mandar pintá-las de outra cor, já me cansa este verde. Ou podia pendurar-lhes umas estrelas.
Passa um homem, baixo, agasalhado até ao nariz e apressado, muito apressado. As mãos nos bolsos empurravam o sobretudo à sua frente.
Amigo, assim o sobretudo chega a casa primeiro que tu!
Belinda julgou ter pensado, mas não pensou, disse. Apesar de não se ter ouvido a si mesma. Pois se o homem lhe respondeu, foi porque o pensamento se fez voz, sem a sua autorização.
Amigo?! Felizmente nunca o fomos.
Resmungou, prosseguindo a sua corrida para fora da noite, à velocidade da resposta.
Nunca se sabe, amigo. Sabes lá se não fomos amigos em tempos! Por acaso não te lembras de mim? Ora olha bem para mim e responde.
O homem pára, olha o enorme trapo cinza.
Não me parece. Não tenho amigos que tenham acabado assim.
Assim como?
Assim, nessa miséria!
A própria articulação da palavra custou-lhe, pareceu cuspir o som.
Achas que me acabo na minha miséria? Não sejas melodramático, amigo! Não é nos meus pertences nem na sua ausência que me acabo. Anda cá. Senta-te aqui ao pé de mim.
O pequeno homem olha em volta, não vá ser visto por alguém. Engole em seco, respira fundo, fecha os olhos e abre-os de novo, atreve-se. Senta-se ao lado de Belinda. por precaução não a olha, finge-se indivíduo, ali sentado, olhar fixo, em frente, para coisa nenhuma.
Belinda olha-o, divertida com a atrapalhação, feliz por uma companhia ali, a menos de meio metro de si mesma.
Amigo, olha para cima. Olha estas árvores. Tens árvores? Eu tenho, são o meu tecto. Até estou a pensar fazer umas melhorias... redecorar a minha casa. Ajuda-me. Fecha os olhos e imagina estrelas, sim, como aquelas lá longe, só que estas vão estar aqui, suspensas nos ramos, inventadas por nós dois. Por cima de nós. Consegues sentir o seu calor?
Ele encolhe-se, esperara um discurso absurdo, mas não deste género. Deixa-se levar, imagina-se banhado pelo brilho das estrelas acabadas de acender por aquela mulher estranha. Mantém os olhos fechados, parece até sorrir.
Belinda observa-o, enternecida.
Agora abre os olhos e olha para os meus. Isso... olha bem. Diz-me se vês aqui alguma miséria.
Embargado, acena que não. Mergulha no olhar de Belinda e deixa-se levar. Flutua nas ondas daquele mar de Inverno, rumo a um mundo desconhecido.
Belinda acorda-o do torpor e pede uma resposta.
Concordas com o que te disse?
Não tenho outro remédio...
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