A melhor coisa que me aconteceu
na vida foi ter aprendido a ler e a escrever. Foi a primeira vez em que me
senti realmente feliz, capaz de aceder a um mundo que me rodeava mas que eu até
aí não decifrava. Comecei a ler tudo, uma viagem de Lisboa ao Alentejo passou a
ser empolgante, podia ler todos os cartazes e avisos com que me cruzava durante
quilómetros. A maldição começou quando escrevi o primeiro poema… não sei
exactamente quando, andava na escola primária. Escrevi sobre a violência que se
vivia em Beirute, sobre a guerra…foi o início da maldição. Pouco tempo depois e
alguns poemas depois estava a professora a perguntar-me se eu sofria de algum atraso,
a minha mãe a evitar que eu mergulhasse tão profundamente nos
livros. Já adolescente, lembro-me de ela ter feito desaparecer “O Elogio da
Loucura” de Erasmo de Roterdão, assustada com o título.
Contudo, escrevi sempre, rasgando
de seguida. Escrevia a amarelo sobre papel branco para que não fosse fácil ler.
Periodicamente relia e rasgava tudo. Mantive esse hábito até que descobri os
blogs. A medo criei um blog, mantive um perfil discreto e dei-lhe um nome que
nem eu sei escrever (só lá consigo entrar pelos favoritos), escrevia com letra
muito pequena, e evitava poesia. Foi mais um passo na minha maldição, a pouco e
pouco atrevi-me e comecei a publicar poesia.
Por vezes assola-me a vontade de
rasgar, neste caso, de o apagar, mas sei que tecnicamente é mais complicado e
não substitui aquele som de papel rasgado que tão bem define a ira.
Fui crescendo e ganhei alguma
confiança em mim. Consegui manter em arquivo e salvaguardados de mim mesma alguns
textos que não publiquei no blog. Pensei divulgar, publicar em livro, concorrer
a concursos de literatura e poesia.
O primeiro e único contacto que fiz no
sentido de publicar aceitou fazê-lo. O primeiro poema “sob encomenda” foi uma
trapalhada, foi quando vi que esse mundo não é para mim.
As três peças de teatro infantil que escrevi
foram representadas pelo grupo de Teatro que me acolhe e não me tem deixado
desistir. Acabei de escrever a primeira peça de teatro para “gente crescida”,
quase obrigada por eles.
Já raramente escrevo poesia. Não
avanço com a publicação dos textos que tenho escondidos, por vergonha, por medo
de estar a provar ao mundo que realmente sofro de algum atraso, como previu a
minha professora da quarta classe.
Há poucos meses frequentei
workshops de escrita, criativa e para palco. Acho que foi mais um tratamento
eficaz para estas manias de poesia.
Sinto-me como se desde cedo
tivesse aprendido a nadar “à cão” mas a partir do momento em que me obrigaram a
nadar com técnica, um braço de cada vez, agora só pernas, agora só braços,
tivesse começado a afogar-me. Neste momento não nado “à cão” nem sou o Phelps e
Phelps só há um.
Não sabia que tantas pessoas
odeiam poesia. Não sabia que ficava tão bem dizê-lo. Não tinha noção da
importância de se estar “no meio certo”… mas isso é importante, até mesmo para
o blog que está ali mesmo à mão.
Se eu publicar no Facebook que o
meu gato espatifou a árvore de Natal e vomitou sobre o Menino Jesus, tenho
muito mais reacções do que nos links do blog que partilho.
Dado isto, pondero remover o blog
e dedicar-me ao vómito de gato.
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