domingo, 16 de março de 2014

monumento ao poeta desconhecido








A melhor coisa que me aconteceu na vida foi ter aprendido a ler e a escrever. Foi a primeira vez em que me senti realmente feliz, capaz de aceder a um mundo que me rodeava mas que eu até aí não decifrava. Comecei a ler tudo, uma viagem de Lisboa ao Alentejo passou a ser empolgante, podia ler todos os cartazes e avisos com que me cruzava durante quilómetros. A maldição começou quando escrevi o primeiro poema… não sei exactamente quando, andava na escola primária. Escrevi sobre a violência que se vivia em Beirute, sobre a guerra…foi o início da maldição. Pouco tempo depois e alguns poemas depois estava a professora a perguntar-me se eu sofria de algum atraso, a minha mãe a evitar que eu mergulhasse tão profundamente nos livros. Já adolescente, lembro-me de ela ter feito desaparecer “O Elogio da Loucura” de Erasmo de Roterdão, assustada com o título.
Contudo, escrevi sempre, rasgando de seguida. Escrevia a amarelo sobre papel branco para que não fosse fácil ler. Periodicamente relia e rasgava tudo. Mantive esse hábito até que descobri os blogs. A medo criei um blog, mantive um perfil discreto e dei-lhe um nome que nem eu sei escrever (só lá consigo entrar pelos favoritos), escrevia com letra muito pequena, e evitava poesia. Foi mais um passo na minha maldição, a pouco e pouco atrevi-me e comecei a publicar poesia.
Por vezes assola-me a vontade de rasgar, neste caso, de o apagar, mas sei que tecnicamente é mais complicado e não substitui aquele som de papel rasgado que tão bem define a ira.
Fui crescendo e ganhei alguma confiança em mim. Consegui manter em arquivo e salvaguardados de mim mesma alguns textos que não publiquei no blog. Pensei divulgar, publicar em livro, concorrer a concursos de literatura e poesia.
O primeiro e único contacto que fiz no sentido de publicar aceitou fazê-lo. O primeiro poema “sob encomenda” foi uma trapalhada, foi quando vi que esse mundo não é para mim.
 As três peças de teatro infantil que escrevi foram representadas pelo grupo de Teatro que me acolhe e não me tem deixado desistir. Acabei de escrever a primeira peça de teatro para “gente crescida”, quase obrigada por eles.
Já raramente escrevo poesia. Não avanço com a publicação dos textos que tenho escondidos, por vergonha, por medo de estar a provar ao mundo que realmente sofro de algum atraso, como previu a minha professora da quarta classe.
Há poucos meses frequentei workshops de escrita, criativa e para palco. Acho que foi mais um tratamento eficaz para estas manias de poesia.
Sinto-me como se desde cedo tivesse aprendido a nadar “à cão” mas a partir do momento em que me obrigaram a nadar com técnica, um braço de cada vez, agora só pernas, agora só braços, tivesse começado a afogar-me. Neste momento não nado “à cão” nem sou o Phelps e Phelps só há um.
Não sabia que tantas pessoas odeiam poesia. Não sabia que ficava tão bem dizê-lo. Não tinha noção da importância de se estar “no meio certo”… mas isso é importante, até mesmo para o blog que está ali mesmo à mão.
Se eu publicar no Facebook que o meu gato espatifou a árvore de Natal e vomitou sobre o Menino Jesus, tenho muito mais reacções do que nos links do blog que partilho.
Dado isto, pondero remover o blog e dedicar-me ao vómito de gato.

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