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Seguro uma chávena de café já frio entre as mãos. Agarro as résteas de calor que emanam da chávena. Ao longe o velho mosteiro, limpo, tratado. Agora é Lar da Misericórdia e acolhe velhinhos. Assoma um à varanda, segura uma bengala de madeira, está limpo e tratado, o velhinho. Quero fixar o meu olhar no horizonte mas não o encontro. O velhinho, talvez ele saiba onde fica o horizonte e talvez o seu olhar já o tenha encontrado. Fixei o meu olhar no olhar do velhinho. Olhava para si mesmo, na busca de força e equilibrio, insuficiente através da velha bengala.
Falta – me metade. Metade do café e metade da vida. Faço mais. Mais café, quente. Onde pára o horizonte? Perco-me no sino do velho mosteiro, limpo tratado, mudo. Mudo de roupa, mudo de música, mudo de ano. Onde pára o horizonte? A cidade ficou vazia, ficaram as casas, cobrindo a linha do horizonte. Fico eu, procurando a metade que me falta, do café, da vida, da linha do horizonte.
Não o bebo até ao fim. Fica sempre um resto no fundo da chávena. Tentativa idiota de não apagar a minha pegada no mundo, como se um dia fosse olhar para trás e percorrer o caminho de volta. Volta para onde? Sei que nada me espera e sinto-me livre. Tanto faz estar cá como não estar. Posso ir onde quiser, talvez procurar a metade da linha do horizonte que perdi. Também posso não ir a lado nenhum. Ficar onde estou, neste labirinto de palavras sem sentido. Tropeço nelas e fico assim, meia febril num torpor abstracto de nada, vazio, meio vazio.
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