terça-feira, 4 de dezembro de 2012

sorriso perpétuo

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Depois de muitos anos em fuga, soube que a hora tinha chegado. Sentou-se sobre a cama, descalçou os sapatos rotos e cansados. Fechou os olhos, respirou fundo. O ar cortou-lhe os pulmões. Quis deitá-lo fora, como um veneno de sabor amargo. Não conseguiu. Quis abrir os olhos, como se daí viesse luz. Não se abriram. Os braços, as mãos, os dedos, não lhe pertenciam. Deixou-se cair, de costas sobre a cama, como um peso morto. Isso ainda conseguiu fazer... ou apenas aconteceu porque assim ditava a lei da gravidade. Tentou gritar por socorro. Não localizou o próprio rosto. Lembrou-se de todos os lábios que beijou na sua longa vida. Lábios ávidos e sedentos, lábios húmidos e entreabertos, lábios secos e sem expressão, lábios com pressa de chegar a outro lado, lábios sem vontade de chegar a lado nenhum, lábios pagos para beijar, lábios...
Todos estavam de acordo e balbuciavam com o respeito absurdo conquistado pelos mortos: - Parece até sorrir!

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