sábado, 28 de abril de 2012

esquecimento

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Inesquecíveis, 
os odores perpetuados no vento em que partiste.
Ainda respiram, 
as paredes,
testemunhas de canções soltas, projectadas no betão. 
Range a cama, 
cansada da dança. 
Atirados ao chão, na fúria de tanto amar, 
os lençóis ganham vida, 
são  trama de Nós. 
Algemas de seda de um amor
tão incendiado que se extinguiu
e se esqueceu.

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segunda-feira, 23 de abril de 2012

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Foi longa, a caminhada. Fui beijada por ervas rasteiras, verdejantes, ainda molhadas pelo orvalho da madrugada. Andei a passos largos, enquanto pude. Decidida. Deixei cada passo marcado na terra escura, fértil, molhada. O caminho levou-me a solo arenoso. Eram cactos que agora me arranhavam os tornozelos. Tudo estava árido em volta. Os passos perderam o vigor, a agilidade. Deixaram de ficar marcados sobre a areia. Impossível aprender o caminho de volta. Sem volta. Sem retorno. Agora era rocha o que eu pisava. Em breve seriam algas a roçar-me o corpo. A caminhada deixou de se fazer. Tornei-me sal.


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quarta-feira, 18 de abril de 2012

vicissitudes do fumo

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Aperta-se o peito em convulsões
No desespero de respirar um grito
acontece algo que receava há muito...
- Regurgitei o coração!
Apanho-o com uma mão
Ergo o rosto e a chuva leva-me o sangue
ao passear a língua pelos lábios
confirmo o sabor: doce e um travo de sal
Na outra mão um cigarro acesso
levo-o à boca
enquanto tento perceber o que me diz o coração
- ainda pulsa
cada pulsar uma palavra indistinta
amor, ódio, paixão, liberdade?
soprei o fumo sobre aquele músculo,
apenas um coração que já não me pertence
olhei o céu
pensando:
- se ao menos eu  tivesse cérebro...

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domingo, 15 de abril de 2012

mais um dia perfeito

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anoiteço-me
na manhã vestida de fantasmas
coberta pelo negrume do olhar da ausência
no aconchego gelado da solidão
anoiteço-me
avisada da perda nos dias e nas horas
afogada no silêncio em que me apago
não, não vou amanhecer
enleada em nós de fios de prata
encandeada na escuridão de ser

mulher

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quinta-feira, 5 de abril de 2012

serra da lua

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Quero o Sol! - Gritei na noite escura, sem Lua. E percorri um caminho ladeado de pirilampos... sem destino, ia para onde a sua luz me levava. Dei por mim na serra, parei sob a pedra negra, redonda. Os pirilampos cumpriam a sua tarefa: iluminavam o meu caminho de volta. Atrás de mim, dormia em desassossego o Convento,  visitado por almas esquecidas. Senti a rocha, fria. Encostei-me a ela por ser o mais parecido que consegui com um abraço. Devo ter dormido um pouco, assim... o Sol ainda não tinha aparecido no horizonte - eu nem sabia onde ficava o horizonte - a rocha estava agora sobre mim, esmagando-me com o seu peso desumano. Em redor os pirilampos continuavam a iluminar o caminho de volta. Não fui por aí... esperei o Sol.

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terça-feira, 3 de abril de 2012

a caminho de uma lua quase cheia

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Reinvento-te
Na insensatez dos gritos lançados sobre a cidade adormecida
No murmúrio que me sopras ao ouvido para não temer a trovoada
O céu há-de cair um dia, não hoje, não esta noite
Reinvento-te
Nos dedos entrelaçados na urgência do prazer
Nos lábios mordidos em busca de sabor
Não és ventre, nem rosto na barba por fazer
És fragrância
Extrema unção
Sobre o meu corpo de mulher

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