domingo, 29 de janeiro de 2012

sons de celofane

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Distraio-me sempre com o canto dos pássaros. Prendo-me a uma melodia que me leva um sorriso. Abstraio-me da cidade, dos carros em fúria no seu caminho até ao próximo semáforo que os faça parar. Na cidade há música! A cidade canta entre as árvores, pula de galho em galho à procura de ninho. Aves que cantam por que sim, aves que cantam em busca de companhia, aves que cantam procurando um piar mais fraco, o piar de outra ave, prestes a perder o seu ninho,  tudo por já não ser forte o seu cantar. Todas cantam,  embelezam o caminho que orquestro com os meus passos e mostram-me que amanheceu mais um dia a que eu não estou a faltar. Um dia em que não vou cantar, mas à minha maneira, irei lutar!

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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

o dia em que não morri

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Morri. 
Todos os anos, em Janeiro, morro.
É um processo que começa ainda em Dezembro, antes do Natal. 
Na tontura e no frenesim da festa, na corrida para algo que vou perder e que receio nunca mais voltar a encontrar. O coração a cento e vinte pulsações por minuto, o relógio a avançar em direcção ao inevitável: o fim de mais um ano. O desalento perante a minha inabilidade para partilhar a euforia do momento. Aquele momento de consciência em que me pergunto se chegou a hora de pedir socorro. 
Desde que me lembro, que em Janeiro a vida se despede de mim. Sempre de forma brutal, tão brutal que eu mesma duvido se continuo viva, ou se morri. Ainda em Janeiro, perdida, procuro sinais. Sinais que me digam em que ponto estou, onde cheguei, ou pelo menos que me digam se estou morta, ou viva. É então que sou envolvida pelo silêncio e visto-me de solidão. 
Foi sempre em Janeiro que tomei grandes decisões, algumas até que implicavam viver ou morrer. Ir ou ficar. Aceitar ou abandonar.
Acabo sempre por renascer, mas de cada vez mais débil, cada vez menos corpo e cada vez mais cinza.
Não receio o dia em que não vou renascer, mas assusta-me o dia em que nunca vou morrer.
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domingo, 22 de janeiro de 2012

silêncio

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sobro no tempo
afundo no horizonte
respiro o silêncio queimando as entranhas
não há lágrimas que me rasguem
nem sangue que me banhe
...porque não me leva o vento?
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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

passeios

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Passeias os lábios em segredos



Soprados na pele


E dançam-te os dedos


No nosso toque de mel


Já não sei se vá ou se espere


Se desmanche esta cama


Marcada dos prazeres e enredos


Dos risos e lágrimas do fim


Se me deixe levar


Até que me faças transbordar


de ti
em mim

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sábado, 14 de janeiro de 2012

take me home

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era uma vez...
uma menina sem lágrimas, no aconchego de


...era uma vez


uma mulher sem história e sem a idade


da sua história


desenhada em espiral
num Nó do Tempo
assim parecida com o Natal


era uma vez...
dois amigos perdidos na cidade
na fuga dos sonhos e dos medos
vivendo uma vida


Irreal


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domingo, 8 de janeiro de 2012

o cisne negro

Fugi, julguei desligar-me do mundo e ter encontrado um lugar seguro, sem memórias. A manhã estava fria, o chá, só de camomila... escolhi aquele lugar, aquela esplanada deserta, por estar em frente ao lago, longe do alcatrão da cidade. Olhando em redor, com precaução, conseguia só ter verde no meu raio de visão... e o cisne branco.
 Asas abertas, era sem dúvida a vedeta do lago. As raras pessoas que passavam, todas aos pares, paravam para o fotografar.
Da beira do lago onde me sentei, aproximou-se um cisne negro. Ninguém reparava no cisne negro. Impaciente, nadava de um lado para o outro, parecia querer galgar o limite do lago a qualquer instante. O cisne branco ergueu-se na sua brancura e correu sobre as águas em direcção ao cisne negro. 
O empregado que só tinha chá de camomila correu, atirando pedras na sua direcção, sem atingi-lo, mostrando-lhe apenas que aquele não era o caminho. Indiferente, o cisne branco, vedeta do lago, continuou, investindo sobre o cisne negro. Só uma pedra atirada mais perto o demoveu. 
Afinal, havia outro cisne negro, com quem o cisne branco continuou o passeio no lago.
O outro, o meu cisne negro, permanecia no canto do lago, perto de mim. Saiu da água, deixando que o sol iluminasse as gotinhas de água presas ao seu corpo negro. Eram pequenos diamantes. Com dignidade, secou-se ao sol, sacudiu-se e alisou as penas com o bico vermelho sangue. Por fim, ergueu-se com dignidade de primeira bailarina e abriu as asas majestosas. Sem sinal de dor, Negras, enchendo a manhã fria e Só de Lisboa.