sábado, 29 de janeiro de 2011

a que soam as noites

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Soam frias e amargas as noites
prémio de consolação nos dias
vazios
Soam a roçar quente e sedento de corpos
sós
que nunca se encontram de sempre
perdidos
Soam a choros mudos e corrosivos
ao desfazer abrupto de laços e
nós
Soam rasgadas a camas desfeitas
nas teias de linho de amanheceres
vencidos
Soam a cio de amantes cegos
A gritos calados na loucura insana e

desejos
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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

e começar

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Gosto de pisar folhas secas e poças de água da chuva. Gosto de trepar árvores e roubar-lhes a fruta. Gosto de passear pelas ruas de Lisboa, de manhã, Tejo vestido de prata, de madrugada vestido de negro. Gosto de ver o mar, sentir o abismo, saber que posso escolher e não saltar. Gosto de ver os campos verdes do Alentejo na Primavera e recordar–me do rebolar nas ervas. Gosto de papoilas, margaridas e girassóis, do amarelo das cearas... de ver nelas a cor da raposa cativada pelo pequeno Principe. Gosto de olhar, apenas olhar. Sentir, apenas sentir. Amar, apenas amar. E começar.

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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

hoje

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O branco dos olhos raiado de vermelho ... SANGUE
O tremor do corpo em busca de conforto... FEBRE


Se te dizer que hoje DESEJO
ouvir a tua voz?

Se te dizer que hoje QUERO
ser apenas eu?

Se te dizer que hoje VENCI
Lutas de moinhos
Tempestades de gigantes?

Se te dizer que hoje ROUBEI
o fogo a Prometeu?

Se te dizer que a minha volta ao MUNDO
Me touxe aqui?

Onde TE encontrei e me PERDI...

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sábado, 22 de janeiro de 2011

de veludo

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 Vesti a noite de veludo azul
e esqueci
Desaprendi
e desfiz as malhas de ontem
Soltei o frio
e os cabelos de vento
Soltei as preces ao céu
deuses surdos
Apanhei as estrelas caidas
e fiz delas a minha cama
Dormi sem sonhar
sonhei sem acordar
e tive sem ter
No final morri
sem viver

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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Faz


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Faz-te ao caminho!

Não faças as malas, não te cabe a alma na bagagem

Faz-te ao caminho!

Não leves lápis nem papel, o poema é a viagem

Faz-te ao caminho!

Abre bem os braços, é a liberdade que te faz voar

Faz-te ao caminho!

Deixa a porta aberta, podes sempre regressar

Faz-te ao caminho!
Sente o teu sangue a tua pele o teu calor
Faz
Amor
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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

sem palavras

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Em que palavra cabe o amor,
se não cabe no mundo inteiro submergindo continentes?
Em que palavra cabe o que te quero,
se não cabe no prazer gritado dos corpos dormentes?

Em que palavra cabemos nós,
se não cabemos no sempre, no passado,no futuro?
Em que palavra cabe o segredo,
se não cabe nas malhas do vento que abate o fruto maduro?

Em que palavra cabe o amor,
se não cabe nas tuas mãos,vagueia pelo meu corpo, vagabundo?
Em que palavra cabe o grito,
se não cabe na madrugada do nosso querer profundo?

Em que PALAVRA?


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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011


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Ver-te chegar num sorriso
Meter-me dentro do teu abraço
Mergulhar no teu cheiro
E dizer-te sem que me ouças:
- Não te posso perder!
Sabes que és o meu mundo inteiro
Sabes que existes em tudo que faço

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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

Menos meia


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Seguro uma chávena de café já frio entre as mãos. Agarro as résteas de calor que emanam da chávena. Ao longe o velho mosteiro, limpo, tratado. Agora é Lar da Misericórdia e acolhe velhinhos. Assoma um à varanda, segura uma bengala de madeira, está limpo e tratado, o velhinho. Quero fixar o meu olhar no horizonte mas não o encontro. O velhinho, talvez ele saiba onde fica o horizonte e talvez o seu olhar já o tenha encontrado. Fixei o meu olhar no olhar do velhinho. Olhava para si mesmo, na busca de força e equilibrio, insuficiente através da velha bengala.

Falta – me metade. Metade do café e metade da vida. Faço mais. Mais café, quente. Onde pára o horizonte? Perco-me no sino do velho mosteiro, limpo tratado, mudo. Mudo de roupa, mudo de música, mudo de ano. Onde pára o horizonte? A cidade ficou vazia, ficaram as casas, cobrindo a linha do horizonte. Fico eu, procurando a metade que me falta, do café, da vida, da linha do horizonte.

Não o bebo até ao fim. Fica sempre um resto no fundo da chávena. Tentativa idiota de não apagar a minha pegada no mundo, como se um dia fosse olhar para trás e percorrer o caminho de volta. Volta para onde? Sei que nada me espera e sinto-me livre. Tanto faz estar cá como não estar. Posso ir onde quiser, talvez procurar a metade da linha do horizonte que perdi. Também posso não ir a lado nenhum. Ficar onde estou, neste labirinto de palavras sem sentido. Tropeço nelas e fico assim, meia febril num torpor abstracto de nada, vazio, meio vazio.

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sábado, 1 de janeiro de 2011

Meia Metade

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E agora? Já se esconde o Sol, tarda a tomar o seu posto, a noite. Este lusco-fusco em que não sei onde me arrumar. Vejo mas não vejo, as cores esbatem-se no negro que começa a impôr-se, devagarinho, devagarinho. Fui à rua, à porta da rua. Não está frio, está vazio, o dia e a cidade, o lixo testemunha a ausência. Nem os cães passeiam na rua, nem os pássaros recolhem às árvores. As ruas pertencem-me, posso procurar um banco de jardim, longe daqui, deixar-me adormecer e esquecer-me de voltar. Este lusco – fusco que não se define. Não se extingue. Já não me lembra o que se lhe segue, se uma noite escura, se um dia claro.

Lembram-me as lágrimas, lembra-me o mar, este sal. Não sei  de que é feito este liquido que me invade os olhos e me escorre pelo rosto. O seu percurso desenhará as rugas com que envelheço e me deixo morrer. Lembra-me o sangue, isto que me aquece as veias e me escorre pelos braços. Aquece-me. Aquece-me o sangue, um último abraço. Um último tango, talvez em Paris, talvez já aqui, na minha cama por fazer, no meu corpo por morrer.

Chega a hora do chá. Quente, sabor de flores. Lusco-fusco cedeu lugar à noite. Meia negra, de meia lua. A lua seguinte será cheia, ou nova, tanto faz. Esta noite esta lua é meia. Durmo um pouco e acordo dormente. Acordei eu e não o corpo. Vejo-me no cheiro da camomila, vejo-me na sombra da noite, atravesso a cidade mil vezes. Corro sem me cansar, passam ruas e travessas, colinas e jardins, castelos e ruínas. Se parar, a cidade pára. Se parar, a minha alma pára. As dores moram em mim, foi-se a carne, arrancada que foi aos ossos. Não páro, corro, fujo. Fujo da noite, da lua que vai meia, de mim que vou vazia.

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