quinta-feira, 31 de maio de 2012

pois que se invente

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Esta manhã, ao acordar, tomei consciência de há muito tempo que não escrever, amor, nestas linhas. Há muito tempo que deixei de escrever, amor. Não preciso contar, sei de cor a palavra mais usada nestas linhas... num primeiro impulso, para me defender da minha auto-critica pensei que uma pessoa escreve o que sente. Logo me perguntei: - Então porque deixei de escrever, amor? Afinal, quem está a ganhar esta batalha que travo há meses? Não posso, não posso perder a palavra, amor, não posso permitir que no meu fim o amor se apague. Tenho que escrever, amor. É tempo. Tenho que voltar a lembrar, talvez até... quem sabe? Inventar, amor.

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domingo, 27 de maio de 2012

(...)

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(...) a noite afaga a cidade, coberta por um manto emprestado de escuridão e silêncio. Os jardins perdem as cores, ganham odores. Dos cantos obscuros surgem aqueles que a multidão não viu de dia. Conquistam os bancos, habitam-nos com as suas mantas e trapos. Do rio ouvem-se acordes de guitarra, uma voz limpa e afinada. Uma velha sobe a calçada, vergada pela dor. Negra, a calçada, negra, a velha, pele curtida pela vida, em dias de mais sol. Nem a própria sombra a acompanha. Pára. Faltam-lhe as forças para continuar a subida. Deixa-se escorregar, fica deitada sobre a calçada. Lembrou-se de um dia em que viu um sorriso, um olhar que banhou o seu. Sorriu, desejou nunca mais fechar os olhos e abalou. Não atrapalhou. O fado continuou.


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sexta-feira, 25 de maio de 2012

lovtaps

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Era uma vez um Lugar Onde Viviam Todas As Pessoas Sós. O lugar não tinha nome, pensa-se até que não ficava em sítio nenhum... nunca ninguém falou sobre isso. 
Nesse Lugar, imperava o silêncio, não se ouviam vozes, risos, canções. Por outro lado também não se ouviam discussões. Ouvia-se chorar, sim, chorar ouvia-se, ao cair da noite. Quando o lusco-fusco espreitava, soltavam-se as primeiras lágrimas. Pela noite dentro, o choro invadia as ruas. Através do choro, os habitantes daquele Lugar sabiam identificar o grau de solidão de cada um, adivinhavam quanto tempo mais viveria o dono ou a dona daquele choro. Desse modo, iam sabendo que casas iam ficando livres à sua volta e mudavam-se, em silêncio. Estavam em constante mudança, sem nunca saírem dos limites  do Lugar Onde Vivem Todas As Pessoas Sós e continuavam sós. Nunca se lembraram que ali ao seu lado, existia outra pessoa só, nunca se lembraram que se um dia tivessem a coragem, deixariam de estar sós. Bastaria um olhar, um sorriso... Foi assim, vazios de olhares, vazios de sorrisos, que uma noite morreram todos os habitantes do Lugar Onde Viveram Todas As Pessoas Sós.
E nunca mais se pensou sobre isso.
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sexta-feira, 18 de maio de 2012

rubor de nada

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Calo o silêncio em mim, 
no embaraço de cada ausência.
Aperto no peito o choro 
e finjo...
Finjo paz, 
finjo gargalhadas,
finjo as respostas nunca dadas.
Não, não sou ninguém,
apenas solidão pura em essência.
Sobro-me na tristeza.
Dói-me a solidão, 
Perco-me do corpo,
No rubor da bofetada.


e foi-se a alma...


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sexta-feira, 11 de maio de 2012

homem sol



Numa dança de papel de rebuçado lançado ao vento, aos tropeções por entre sapatos e sandálias apressadas, 
deu por si debaixo do Homem Sol.
Tanto que desejou conhecer o Homem Sol! 
Pois ali estava: grandioso. 
Rodopiou por entre os seus pilares, experimentou a sua força.
Impossível demovê-lo. 
Impossível levá-lo consigo para casa. 
Sentou-se no centro. 
Queria fazer parte do eixo daquela imagem. 
O Sol estava para ficar, quente, brasa gigante incandescente. 
Sentiu o corpo a arder, o cérebro em ebulição. 
Ouviria pulsar? 
Seria o seu próprio coração transbordante de vermelho? 
O pulsar tornou-se mais forte, aproximou-se em velocidade alucinante. 
O som... ensurdecedor, lembrança de ventre materno. 
A pele ganhou a cor da estátua em que se abrigava. 
Os membros derreteram. 
Os braços, asas de celofane. 
Veio de novo o vento, na vertigem do pulsar, levou o papel de rebuçado, levou o som, levou o Homem Sol, levou o Rio. 
Deixou lágrimas derramadas no  chão onde nasceu um novo Mar.

domingo, 6 de maio de 2012

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O convite estava na minha mão. Olhei-o, virei-o, revirei-o. Não estava assinado. Era um convite para uma festa. Ao chegar, fui observando os convidados. Desconhecidos. A poucos teria desejado um Bom - Dia noutros tempos, mas nem resposta obtive. Não repeti a proeza. Limitei-me a estar. Circulei por entre os desconhecidos, guiada por um copo que me levava pela mão e abria caminho por entre as sedas, os perfumes e as cabeleiras. A um toque, a um desvio, escapava-me um sorriso. Por vezes era imitada, como um símio bem educado, outras vezes nem isso. E a festa era enorme, nunca mais chegava ao fim do salão, onde acreditava encontraria uma saída para aquela solidão cínica. Descomposta pelos encontrões, toldada pelo álcool que teimava em não desaparecer do copo, finalmente encontrei uma cortina, vedada por um "gorila" de preto, t-shirt tamanho S em tronco tamanho XL. Olhei-o, queria passar, queria sair dali. Em silêncio acena que não. Irritada perguntei porque não, não fazia sentido estar naquela festa sozinha, onde não conhecia ninguém, onde ninguém parecia ver-me. Mudou o seu semblante de primata de vigia, abriu os braços num sorriso e ouvi a voz que terá roubado de véspera num qualquer bar de New York: "That's Life!".

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http://youtu.be/KIiUqfxFttM