quinta-feira, 30 de junho de 2011

Prognóstico muito reservado

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Este blog esteve "morto" durante cinco dias. Mea culpa: quis ver como ficava o mundo sem as minhas parvoíces. Felizmente ninguém deu por nada, o Sol continuou a girar e a Lua a seguir o seu ciclo influenciando as marés. A minha maré está vazia. 

"Na manhã em que me levantei para começar este livro tossi. Algo estava a sair-me da garganta, a estrangular-me. Rasguei o cordão que o retinha e arranquei-o. Voltei para a cama e disse: Acabo de cuspir o coração." Anais Nin (in A Casa do Incesto)

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sexta-feira, 24 de junho de 2011

ausências

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não ouso adormecer

não ouso respirar

não vá o rio em que me deito secar

ou os sonhos que me abrigam perecer


sem dormir não há acordar


um sopro teu e apagas as estrelas

- salpicaste-as tu em mim -

um segredo teu e oiço a canção

a voz doce da tua inquietação

- adormecendo, cedo por fim -

não só de noite se fazem trevas

- Sol e Lua podem eclipsar -

também de ausência se faz amar
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terça-feira, 21 de junho de 2011

Sonho entre sonos

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Existe um sonho entre os sonos, nele vivo num circo sem feras. Sou trapezista
e não há rede. Tenho público e silêncio, suspenso pelo instante seguinte.
Na arena brincam os palhaços, tocam os músicos, rufam tambores. Agarro a corda,
vai levar-me ao outro lado, ou quebrar-me. Já não dançam as bailarinas e os
músicos páram de tocar. Olho o público. No sonho que sonho entre os sonos,
encontrarei o teu olhar? Saberás que é dele que preciso para voar? Estará este sonho
a acabar? Fecho os olhos e mergulho, não encontro o fundo mas... vejo-me noutro sono.
Uma amálgama de carne e ossos fica estatelada na plateia, as luzes fogem do local,
os músicos afinam os instrumentos, as vozes afinam-se - Dá-me um Lá! O espectáculo não pode parar,
e eu procuro outro sono onde me possa refugiar. Saio à rua, fresca, de banho tomado. Passo pela
florista:- Menina, hoje chegaram margaridas! Aceno e agradeço.
Ainda antes de acordar me lembrei do som que fez a jarra ao quebrar.
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domingo, 12 de junho de 2011

A era da Casa das Heras

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 Além é a Casa das Heras. Um velha casa abandonada, coberta de heras,
onde se diz que aparece uma Fada. Muitas crianças a viram. Uma Fada que
aparece, nua, a pentear-se. O seu vestido são os cabelos de ouro, longos, longos... o pente de
madrepérola. Quem a viu ficou encantado.
- Encantado? Que é isso?
A beleza da Fada era tal que quem a viu nunca mais conseguiu ver
nada mais belo. Quem a viu passou a viver de meras lembranças de beleza.
Com o tempo, uns achavam que as lembranças se tornavam cada vez mais
belas, passaram a ter um olhar deslumbrado, um sorriso constante.
Outros deixaram a lembrança desvanecer-se, perdeu-se a beleza da visão
nos labirintos da memória,passaram a viver tristes, e nada que pudessem ver,
por mais belo que fosse conseguiria reavivar a lembrança do que em tempos puderam
contemplar.
- E a Fada, ainda aparece?
Porque não havia de aparecer? É o seu Fado.

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sexta-feira, 10 de junho de 2011

viver de amor

"Mourir d'aimer
De plein gré s'enfoncer dans la nuit
Payer l'amour au prix de sa vie
Pêcher contre le corps mais non contre l'esprit"
Charles Aznavour

... assim morro cada segundo que vivo, assim me apago e desvaneço no mundo. Dou a minha vida por um instante de amor, roubo-o ao corpo para o devolver à vida. Saciado e em liberdade.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

cinzas às cinzas

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deito ao vento as cinzas das minhas palavras

ardidas

cantadas por passaros de asas quebradas

almas perdidas

desfaço-me nas particulas dos meus poemas

queimados

apago-me das paginas de um romance falhado

em saldo

e os dias são agora noites escuras

passados vazios num jardim em rescaldo


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segunda-feira, 6 de junho de 2011

inodoro e indolor

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Dormir e não acordar nunca mais. É no sono que esqueço o Só que
que sou. Em sonhos acredito e existo. Evaporo-me quando quero.
É em sonhos que pertenço ao mundo. No sono diluo o nada da vida,
o vazio dos olhares, a ausência da palavra. É em sonhos que o
silêncio me segreda: aqui jaz quem tudo sonha e nada tem, aqui jaz
quem ama a liberdade e é Só. Acordo em sobressalto privada de ar,
afinal não morri: não há cheiro de flores!
 
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sábado, 4 de junho de 2011

XL

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passam os dias

sem  o teu olhar
 

passam os dias

sem o teu cheiro de mar

o corpo perde a forma

faltam-lhe as mãos que o sabem moldar

o olhar perde a cor

falta-lhe luz onde mergulhar

passam os dias

quantos mais dias terei que te inventar?


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quinta-feira, 2 de junho de 2011

mar morto

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ferida após ferida               golpe após golpe                 o tempo põe-se em fuga

perde-se a dor na alma            perde-se a alma no tempo                  e volta sempre

ferida após ferida                        golpe após golpe                 perde-se o sangue no choro

e lavo o rosto                  
 
perde-se o sal                               nas lágrimas         e faz-se aquele mar

onde não me posso afundar

porque volto                  sempre                 na ânsia de novamente  me afogar

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