sábado, 1 de janeiro de 2011

Meia Metade

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E agora? Já se esconde o Sol, tarda a tomar o seu posto, a noite. Este lusco-fusco em que não sei onde me arrumar. Vejo mas não vejo, as cores esbatem-se no negro que começa a impôr-se, devagarinho, devagarinho. Fui à rua, à porta da rua. Não está frio, está vazio, o dia e a cidade, o lixo testemunha a ausência. Nem os cães passeiam na rua, nem os pássaros recolhem às árvores. As ruas pertencem-me, posso procurar um banco de jardim, longe daqui, deixar-me adormecer e esquecer-me de voltar. Este lusco – fusco que não se define. Não se extingue. Já não me lembra o que se lhe segue, se uma noite escura, se um dia claro.

Lembram-me as lágrimas, lembra-me o mar, este sal. Não sei  de que é feito este liquido que me invade os olhos e me escorre pelo rosto. O seu percurso desenhará as rugas com que envelheço e me deixo morrer. Lembra-me o sangue, isto que me aquece as veias e me escorre pelos braços. Aquece-me. Aquece-me o sangue, um último abraço. Um último tango, talvez em Paris, talvez já aqui, na minha cama por fazer, no meu corpo por morrer.

Chega a hora do chá. Quente, sabor de flores. Lusco-fusco cedeu lugar à noite. Meia negra, de meia lua. A lua seguinte será cheia, ou nova, tanto faz. Esta noite esta lua é meia. Durmo um pouco e acordo dormente. Acordei eu e não o corpo. Vejo-me no cheiro da camomila, vejo-me na sombra da noite, atravesso a cidade mil vezes. Corro sem me cansar, passam ruas e travessas, colinas e jardins, castelos e ruínas. Se parar, a cidade pára. Se parar, a minha alma pára. As dores moram em mim, foi-se a carne, arrancada que foi aos ossos. Não páro, corro, fujo. Fujo da noite, da lua que vai meia, de mim que vou vazia.

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