quinta-feira, 6 de setembro de 2012

"é doce..."


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Foi assim que acordou. Olhou o espelho e viu um trapo. Correu pelas ruas, atravessou o rio, deu por si numa ilha. Alguém lhe dissera que era deserta. Assim era, tão deserta quanto ela mesma. A maré estava vermelha de algas, conchas, pedrinhas, vida e sangue. Cada onda trazia o seu próprio sangue à costa. Levava-o no seu enleio, abandonava-o depois, como lixo, sobre o areal.
De sandálias na mão, pontapeava o seu próprio sangue. Empurrava-o mais para o esquecimento. Quem a visse julgava que se divertia, não sentia o desespero que imprimia em cada gesto, o grito calado.
Amar, sabia que amava. Da mesma forma que sabia que não era amada. De que vale o amor da nossa vida, se a sua vida parte para outro amor? De que vale a consciência de amar, a força de o calar, se o espelho apenas reflecte um trapo?
Nas ondas viu um vulto mais vermelho que o seu sangue, mais intenso, com vida própria.  Movimentava-se, dançando nas águas pouco profundas. Podia ser um peixe. Podia ser uma sereia. O mar rugiu em fúria: - Parte! Vai-te dessa vida! De que te vale uma vida sem amor? Nada! 
Uma onda ergueu-se, cobrindo a Lua Minguante que nascia no horizonte, as gargalhadas do mar cobriram toda a Terra. Quando se foi, levou o sangue que lhe restava. 
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