sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

inevitabilidade


...

Há meses que usava as mesmas roupas. Desbotadas, no fio, justas ao corpo. A sua cintura reclamava espaço, os pulmões queriam respirar. Os seus, e os que transportava no ventre. Dormitava por vezes, acompanhava os movimentos das nesgas de sol que entravam pela cela. Até chegar a noite e o Sol lhe negar o seu calor. Também o Sol tinha direito a passar umas horas longe dela. Só ela não. Nunca se separava de si mesma. Nem antes de ter aquele coração a pulular dentro de si. De noite não conseguia dormir, sentia-se explodir, o ritmo de dois corações não lhe dava descanso. Acompanhava os ciclos da Lua sem os contar. Tinha a certeza que depois de uma Lua Nova, um Quarto Crescente viria. Era inevitável, por mais que desejasse quebrar aquele ciclo mágico. Com o tempo, o Sol deixou de brilhar entre as grades da sua prisão. Com o tempo, o ciclo da Lua tornou-se infernal. Com o tempo, mais corações bateram dentro de si. A Lua não parava, o tempo também não... e o Sol que não nascia. Exausta, deixou-se tombar. O seu corpo rebolava no chão, numa tentativa torpe de se contorcer. Quebrou finalmente o silêncio, gritou com toda a força que tinha, uivou à Lua, como um animal. Por fim, silêncio. Depois do fim, um princípio, um choro.
Despiu-se, queimou as roupas, passeou nua pela cidade, dançou leve e ágil pelas ruas. Livrou-se de si mesma.

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